Monte Leal é uma localidade pertencente à União de freguesias de Vale de Prazeres e Mata da Rainha, no concelho do Fundão, na região Centro de Portugal. No passado, ainda na década de 1980, a escola primária local “era pequena para tantas crianças”. Havia uma vida muito pujante nesse espaço rural. Monte Leal sempre foi uma aldeia com espírito de comunidade apesar de todas as dificuldades dos anos 1970 e 1980, talvez por ser uma aldeia do interior. Jovens naturais de Monte Leal seguiram a tendência de muitos outros da região e procuraram oportunidades em outros centros urbanos.
No último dia 14 de agosto, altura em que se celebra nessa localidade uma festa em honra da sua padroeira, Nossa Senhora da Assunção, um grupo de amigos decidiu voltar a promover, como em anos anteriores, um grande convívio, com direito a um passeio sobre duas rodas. Participaram nessa iniciativa 90 motas e 30 acompanhantes, “ou seja, houve motorizadas com duas pessoas a bordo”.
A ideia central, segundo apurámos, foi “fazer com que as famílias voltassem a se juntar nessa data e que pudessem promover a amizade junto das novas gerações, ou seja, as segundas gerações que ainda não se conhecem, já que nasceram e cresceram longe de Monte Leal e em outras localidades do país”.
E, na mais recente festa, já num contexto de período pandémico mais brando, decorreu um passeio com a participação de dezenas de pessoas utilizando as famosas motorizadas. Muitas crianças e jovens aceitaram a ideia e, sobre duas rodas, passearam e se divertiram enquanto conheceram e conviveram na terra dos seus pais e avós.
“O grupo é composto por amigos dessa geração. As motorizadas eram nos anos 1980 e início dos anos 1990 um dos meios de transporte mais acessíveis, por isso, uma grande parte das famílias utilizava as motorizadas. Os jovens tinham a hipótese de, aos 16 anos de idade, tirar uma licença de condução que era bastante económica e, com isso, ser quase para todos nós o nosso primeiro meio de transporte. Algumas das motas são heranças de familiares que são conservadas com muito afeto”, contou João Matos, um dos membros do grupo. Aos 46 anos, João Matos é natural de Vale de Prazeres e residente em Freiria, Torres Vedras, e não esconde o orgulho de ter participado nesse evento ao lado da esposa e das filhas.
Depois de percorrerem muitas aldeias vizinhas, houve um almoço convívio regado com muita memória e saudade, com a presença de cerca de 160 pessoas, já que alguns dos residentes atuais nessa localidade “fizeram questão de se juntar aos, agora, visitantes” na hora da refeição do meio dia.
Problema crónico
A desertificação dessa e de outras localidades do país, sobretudo no interior, preocupa essas famílias que tiveram que deixar para trás a terra que os viu nascer para alcançarem oportunidades profissionais e uma melhor vida financeira. Mas lutar contra a desertificação é possível?
“Sim, é possível, mas tem que haver uma vontade política. Criar dinâmicas e aproveitar melhor o que temos, como a nossa tradição, a natureza, os produtos regionais, entre outros aspetos. Mas, para isso, tem de haver uma movimentação que faça com que as pessoas conheçam o Portugal profundo. E, por fim, mas o mais importante: criar condições para uma boa educação para os jovens sem esquecer as novas comunidades que se têm instalado na área”, sublinhou João Matos.
Esta iniciativa em Monte Leal envolve famílias do referido grupo de amigos, dentre outras pessoas residentes em aldeias vizinhas, como Vale de Prazeres, Cortiçada, Catrão e Póvoa Palhaça. “Mas o grande dinamizador é o Daniel Fradique, que é a pessoa que durante todo ano promove este passeio-convívio e faz com que todos nós mantenhamos o foco e nada fique esquecido”, reforçou João.
“Para valorizáramos o futuro temos que conhecer e entender e nunca esquecer o passado. Nunca esquecer as origens e dignificar os lugares que, apesar da desertificação, outrora foram locais bastante dinâmicos”, finalizou João Matos, que revelou estar prevista uma nova ação desse porte a realizar, pelo menos, em agosto de 2023. ■