Opinião: “Tarifa de 50%: confiabilidade dos EUA em xeque e oportunidades na Europa”, por Luíz Fernandes

"Choque tarifário e desconfiança"

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Luíz Fernandes, advogado especialista em direito digital e desenvolvimento de negócios
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Os Estados Unidos surpreenderam o mundo dos negócios ao anunciar uma tarifa de 50% sobre todas as importações provenientes do Brasil, válida a partir de 1.º de agosto. Essa alíquota, a mais alta entre os 22 países notificados pelo governo Donald Trump, excede inclusive os 30% aplicados às importações chinesas – um patamar nunca antes imposto a parceiros comerciais de grande porte. Trump justificou a medida como resposta a uma suposta relação comercial “injusta” e em retaliação ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, que ele classificou como “vergonha internacional” em carta ao presidente Lula. Analistas, porém, apontam que a motivação foi mais política do que comercial, decorrente da insatisfação de Trump com o andamento do caso Bolsonaro. De fato, o argumento de déficit comercial não se sustenta: pelo contrário, dados oficiais dos EUA mostram que em 2024 houve superavit de US$7,4 bilhões na balança comercial de bens com o Brasil. Essa disparidade entre o discurso e a realidade abala a confiabilidade das ações americanas, sugerindo que decisões abruptas podem ocorrer independentemente de fundamentos económicos.

Gráfico comparativo das tarifas divulgado pelos média: o Brasil aparece isolado no topo, com alíquota de 50%, muito acima das demais nações na mira das medidas americanas. Nem mesmo a China – alvo frequente de disputas comerciais – enfrenta taxa tão elevada.

A reação inicial entre empresas brasileiras foi de perplexidade e cautela. Especialistas do comércio exterior ressaltam que uma tarifa desse tamanho inviabiliza praticamente o comércio de manufaturados com os EUA, tornando os produtos nacionais imediatamente menos competitivos. “Ninguém compete com uma tarifa de 50% no mercado americano” – observou um economista da Fundação Getúlio Vargas, destacando que muitos embarques simplesmente deixarão de ocorrer nesse cenário. Setores estratégicos tendem a ser duramente atingidos: siderurgia e agronegócio estão entre os mais impactados, e soou-se um alerta especial para o ramo aeronáutico – as vendas da Embraer nos EUA, por exemplo, podem perder terreno frente a concorrentes, dada a erosão de competitividade com o imposto adicional. Diante da incerteza, diversas empresas devem suspender temporariamente as vendas para o mercado americano até que haja uma definição mais clara da situação.

Além dos impactos diretos, a natureza abrupta e punitiva do tarifaço mina a confiança no ambiente de negócios dos EUA. A imposição da taxa máxima, de forma unilateral, envia um sinal negativo a outros parceiros comerciais: fica a impressão de que algo muito grave ocorreu para justificar penalidade tão severa, gerando um clima de cautela generalizada. Em última instância, essa postura imprevisível dos Estados Unidos – capaz de mudar regras do jogo da noite para o dia – coloca em xeque a sua confiabilidade como destino para empresas globais. Para companhias brasileiras (em especial as de tecnologia, habituadas a planear expansões internacionais de longo prazo), o episódio acende um alerta de risco: depender de um único mercado sujeito a oscilações políticas pode ameaçar estratégias de crescimento e investimentos já realizados.

Europa como destino confiável

No mesmo contexto em que Washington adota medidas extremas, a União Europeia vem se posicionando como um contraponto mais estável e cooperativo. Diante da ameaça de tarifas similares contra produtos europeus, Bruxelas optou pelo diálogo: segundo relatos, as negociações entre UE e EUA estão avançadas para evitar um desfecho igual ao do Brasil, cogitando-se um acordo que limitará eventuais tarifas a um patamar bem mais brando (10%). Esse tom conciliatório contrasta com o confronto aberto visto na relação EUA–Brasil, e reforça a imagem da Europa como ator previsível, disposto a soluções negociadas. Não por acaso, a recente guerra tarifária de Trump acabou por impulsionar a conclusão do aguardado acordo comercial Mercosul–União Europeia, que especialistas veem como uma alternativa estratégica frente ao isolamento comercial promovido pelos EUA. Esse tratado – cuja conclusão é prioritária tanto para sul-americanos quanto para europeus – prevê redução de tarifas e facilitação de investimentos, sinalizando o compromisso europeu com o livre-comércio e o multilateralismo. Como destacou o presidente Lula, seria “uma resposta ao unilateralismo”, mostrando que a cooperação internacional pode prevalecer sobre ações unilaterais disruptivas.

Do ponto de vista económico, o mercado europeu apresenta-se altamente atrativo. Apenas a UE, em conjunto com o Mercosul, representa 722 milhões de consumidores e um PIB agregado em torno de US$22 triliões – um bloco de peso comparável (ou superior) ao dos EUA, oferecendo diversificação geográfica e segurança institucional. Mesmo isoladamente, a União Europeia já figura entre os maiores parceiros comerciais do Brasil, com laços históricos e fluxos de investimento significativos. Para as empresas brasileiras que buscam expandir a sua atuação global, a Europa desponta como um porto seguro, combinando escala de mercado, estabilidade jurídica e apoio ao desenvolvimento tecnológico.

Vale destacar alguns diferenciais do ambiente europeu para negócios, especialmente no setor de tecnologia:

Estabilidade regulatória e respeito às regras: mudanças estruturais na política comercial europeia passam por longos processos de negociação entre os 27 países-membros, dentro de um arcabouço jurídico sólido. Isso reduz o risco de surpresas repentinas – dificilmente se verá na UE um salto tarifário unilateral abrupto como o imposto pelos EUA. O comprometimento europeu com instituições multilaterais e acordos internacionais traz previsibilidade, fator crucial para empresas planeando investimentos de longo prazo;

Mercado integrado e acesso ampliado: com a União Europeia, uma empresa estabelece presença num país-membro e automaticamente tem acesso aos demais, graças ao Mercado Comum. Além disso, o bloco mantém dezenas de acordos comerciais ao redor do globo, ampliando os horizontes para exportadores. A parceria Mercosul-UE, em vias de concretização, tende a criar uma das maiores áreas de livre-comércio do mundo, potencializando oportunidades em ambos os continentes;

Incentivos à inovação e qualidade de vida: muitos países europeus oferecem programas atrativos para startups e empresas de tecnologia. Portugal, por exemplo, desponta hoje como um dos grandes hubs de tecnologia e inovação da Europa, graças a incentivos governamentais robustos – algo que já atraiu inúmeras startups brasileiras em busca de internacionalização. Com custo de vida mais baixo que o de outras praças tradicionais (como Alemanha ou França) e alta qualidade de vida, Portugal vem sendo reconhecido como o “país das startups” na Europa. Iniciativas como vistos especiais para empreendedores, aceleradoras e apoios do governo português (Startup Visa, entre outros) facilitam a entrada de empresas estrangeiras no ecossistema local. Esse cenário se repete, com variações, em diversos outros países europeus comprometidos em fomentar tecnologia – resultando num ambiente fértil para negócios inovadores, amparado por mão de obra qualificada e financiamentos disponíveis.

Conclusão

A escalada tarifária dos EUA contra o Brasil expôs fragilidades na confiança que empresas podem depositar em políticas comerciais norte-americanas. Em contraste, a Europa surge como um convite à diversificação, oferecendo um refúgio estável em meio às turbulências. Para companhias brasileiras – especialmente as de base tecnológica, acostumadas a pensar globalmente –, faz-se cada vez mais sensato olhar para a Europa não apenas como alternativa emergencial, mas como estratégia de crescimento sustentável. A convergência entre a reação europeia moderada e a perspetiva de novos acordos transatlânticos indica que este pode ser o momento ideal para aproximar mercados e reduzir a dependência de parceiros voláteis.

Em suma, a tarifa de 50% imposta pelos EUA funciona como um duro lembrete de que a internacionalização bem-sucedida requer avaliar não só o tamanho dos mercados, mas também a confiabilidade dos destinos. Diante desse cenário, a Europa se destaca pelas suas vantagens competitivas e segurança jurídica, convidando empresas globais a fazer parte do seu ecossistema.

Com planeamento estratégico e a devida orientação jurídica, é possível transformar a crise de confiança atual numa oportunidade de expansão: diversificar para a Europa pode significar não apenas mitigar riscos, mas também alavancar novos patamares de inovação e crescimento, em solo mais firme e previsível. ■

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