
“A terceira edição do Festival Literário Internacional de Paracatu (Fliparacatu) reafirmou a vocação literária e cultural da cidade de Paracatu, no noroeste do Estado de Minas Gerais”. É esta a convicção da organização do evento, que decorreu durante cinco dias, de 27 a 31 de agosto, no Brasil, com uma programação intensa.
“O município e a sua população abraçaram o Fliparacatu, os seus autores e atrações convidadas. Foram momentos de trocas inspiradoras, discursos potentes e reflexões profundas sobre o poder da literatura na construção de imaginários e na interpretação do nosso tempo”, disseram os responsáveis pelo evento.
Reunindo vozes diversas, com mais de 60 autores na programação, o terceiro Fliparacatu fez da palavra território de travessia, sob o lema “Literatura, encruzilhada e desumanização”. Após mesas e encontros com muitos dos nomes mais importantes de literatura em língua portuguesa de todo o globo, “fica o sentimento e a certeza de que a arte de narrar e interpretar o mundo pode tanto expor as feridas do nosso tempo, e de tempos passados que seguem não cicatrizadas, quanto fabular caminhos de cura”.
O trabalho curatorial das escritoras Bianca Santana e Daniela Prado e dos escritores Jeferson Tenório, Leo Cunha e Sérgio Abranches, sob a presidência de Afonso Borges, teve como norte a diversidade, reunindo autores locais, nacionais e internacionais.
Livraria: a alma do Fliparacatu
O Centro Histórico de Paracatu foi transformado pelo poder encantatório dos livros e da literatura. Uma livraria com mais de 20 mil títulos foi o centro do Festival, convidando a população paracatuense a “mergulhar no desconhecido, nas surpresas que se escondem no gesto de abrir uma capa, de virar uma página”.
O Teatro Afonso Arinos, que celebra a vida e a obra de um dos maiores escritores da história brasileira, o paracatuense Afonso Arinos, foi palco de encontros memoráveis, com uma intensa e calorosa participação do público presente.
Um adeus emocionado à Luis Fernando Veríssimo
O Fliparacatu prestou homenagem ao escritor Luis Fernando Veríssimo, que nos deixou na madrugada de sábado, 30 de agosto. Emocionado, o presidente e fundador do Fliparacatu, Afonso Borges, celebrou a vida, a trajetória pública e a obra de seu grande amigo.
“Ele era um jornalista, ele era uma pessoa que sabia transferir o cotidiano, a vida comum, a vida das pessoas, com qualidade, com excelente qualidade, com elegância, com inteligência, com resistência democrática para o mundo da crônica. Ele é, seguramente, um dos maiores cronistas da língua portuguesa”, destacou. Borges, que falou sobre Veríssimo para uma jovem plateia, composta por crianças e adolescentes entre 4 e 18 anos durante a Cerimónia de entrega do Prémio de Redação, que mobilizou a comunidade escolar de Paracatu. Uma iniciativa que “celebra o encontro da juventude com o poder transformador da literatura, abrindo caminhos para futuros jovens artistas e escritores”.
Celebrar a vida e a obra de Ana Maria Gonçalves e Valter Hugo Mãe
Os homenageados desta edição, Ana Maria Gonçalves e Valter Hugo Mãe, viveram o Fliparacatu intensamente, espalhando afeto, palavras e dedicatórias pelas ruas do Centro Histórico da cidade para um público leitor e apaixonado. Brasileiro, e mineiro, de alma e coração, Valter Hugo Mãe retornou ao Brasil e a Minas Gerais para dias de celebração e de profunda identificação com o público.
O Fliparacatu foi o primeiro festival literário do país a homenagear Ana Maria Gonçalves após a sua eleição para a cadeira de número 33 da Academia Brasileira de Letras. Um feito histórico, Ana é a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira nesta instituição secular.
“Sou a primeira, mas não serei a única”, disse esta homenageada.
O tema desta edição do Fliparacatu foi “Literatura, encruzilhada e desumanização” e partiu das obras dos homenageados para “propor caminhos, inventar desvios e recalcular rotas no campo da literatura e do pensamento contemporâneo”. “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, e “A desumanização”, de Valter Hugo Mãe, ecoaram durante os encontros, debates e conversas, dentro e fora do palco do Teatro Afonso Arinos, tanto entre escritores, quanto entre o todo o público.
Chamado para a ação e o resgate da nossa humanidade
Ana Maria Gonçalves abriu o Fliparacatu na quarta-feira, 27 de agosto, com um chamado para ação que ressoa como um dos discursos mais potentes e memoráveis de todas as edições do evento: “Discutir o Brasil, pensar o Brasil que a gente gostaria de construir e para o qual a arte e a literatura devem ser pilares. A literatura tem esse poder de imaginar futuros, imaginar possibilidades e, a partir da imaginação, partir para a ação. Que a gente possa fazer esse exercício neste Festival: mas que a gente parta para a ação”.
Encerrando a programação de mesas no sábado, 30 de agosto, o escritor Valter Hugo Mãe, em conversa com a colega homenageada e o curador do Fliparacatu, Sérgio Abranches, afirmou que a verdadeira humanidade é um caminho em direção ao esplendor dos gestos e não à normalização do horror.
“Na verdade, o que estamos fazendo é adiar a possibilidade de nos reconhecermos verdadeiramente como humanidade. A gente como coletivo, como multidão, deve ganhar noção: Ou aceitamos aquilo que sabemos e mudamos o gesto ou nos entendemos apenas como bichos e não devemos ser declarados como humanidade”, mencionou.
“A cada mesa, a cada encontro, a cada troca, esta 3ª edição do Fliparacatu reafirmou que, diante das tentativas de apagamento, de esvaziamento e de destituição de nossa própria dignidade, a literatura e suas múltiplas encruzilhadas, que apontam caminhos e destinos, permanece como espaço de resistência, de invenção e de exercício radical da nossa humanidade”, destacou a organização.
Esta nova edição do Fliparacatu foi patrocinada pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e teve o apoio da Caixa, da Prefeitura de Paracatu, da Academia de Letras do Noroeste de Minas e parceria de média do Amado Mundo.
“O mais importante é que o Fliparacatu despertou a atenção para a encruzilhada que humanidade atravessa, através da literatura”, finalizou Afonso Borges. ■