À medida que 2026 se aproxima, Brasil, Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa enfrentam um momento de viragem na gestão de pessoas. Estudos globais da Dale Carnegie, realizados em dezenas de países, mostram tendências comuns em IA, liderança, alinhamento organizacional, resiliência e criatividade, que ganham contornos próprios no contexto lusófono.
- IA no trabalho: entre entusiasmo e ansiedade
Os estudos indicam que a maioria dos profissionais já sente, ou espera sentir em breve, o impacto da IA nas suas funções. Em mercados lusófonos, isso aparece de formas distintas:
- No Brasil, a adoção é mais acelerada em finanças, distribuição e comércio e tecnologia, acompanhada de preocupações com substituição de funções administrativas e operacionais.
- Em Portugal e nos PALOP, a integração tende a ser mais gradual e muito dependente de multinacionais e investimentos externos, mas abre espaço para um grande “salto” de maturidade digital quando bem gerida.
Um dado crítico destes estudos: os líderes de topo das organizações sentem-se muito mais confiantes do que as lideranças intermédias e os colaboradores na sua capacidade de se adaptar à IA, o que antecipa resistências e falhas na implementação se a Gestão de Pessoas não atuar intencionalmente na capacitação e na comunicação interna associada aos processos de Transformação e Mudança.
- Liderança jovem, digital – e sob pressão
Os dados mostram um aumento da proporção de líderes das gerações mais jovens (Geração Z e Millennials) ocupando funções de chefia, em comparação com o padrão histórico de progressão por antiguidade.
Ao mesmo tempo, os estudos da Dale Carnegie sublinham um paradoxo: enquanto cresce a valorização de competências técnicas e digitais, os colaboradores apontam lacunas importantes em capacidades de comunicação, feedback, gestão de conflitos e inspiração por parte das chefias, em especial na gestão intermédia.
No mundo lusófono, onde a relação pessoal, a proximidade e a sensibilidade cultural são fatores decisivos para engajamento, esta combinação (liderança mais jovem + défice de soft skills) será um dos grandes desafios de RH em 2026.
- O grande problema invisível: desalinhamento organizacional
Um dos resultados mais consistentes dos estudos globais da Dale Carnegie é o desalinhamento entre o que líderes de topo, lideranças intermédias e colaboradores veem e sentem no dia-a-dia. Em praticamente todos os parâmetros de análise – comunicação, metas/objetivos, inovação, equilíbrio vida-trabalho, orgulho e intenção de permanência – a perceção dos líderes de topo é sistematicamente mais positiva do que a dos níveis abaixo.
Esse “fosso de perceções” traduz-se em mais rotatividade, em “cinismo silencioso”, baixa adesão a iniciativas de mudança e dificuldade em converter estratégia em execução, exatamente numa altura em que empresas lusófonas precisam de agilidade e foco. Em 2026, o RH/Gestão de Pessoas terá de assumir, com coragem, o papel de facilitador de conversas difíceis e de redesenho dos fluxos de comunicação, sobretudo reforçando o papel da gestão de nível médio como elo entre cúpula e operação.
- Resiliência e bem-estar: do discurso à prática
Os estudos sobre resiliência mostram que a maioria dos profissionais viveu, no último ano, algum tipo de adversidade relevante no trabalho; desde cargas de trabalho excessivas a reorganizações frequentes, conflitos e insegurança laboral. Apesar disso, apenas cerca de metade dos inquiridos apresenta níveis elevados de resiliência, entendida como a capacidade de recuperar, aprender e voltar a contribuir em alto nível após situações inesperadas.
No contexto lusófono, com volatilidade económica em vários mercados, pressão competitiva crescente e desigualdades sociais acentuadas, o risco de burnout, desengajamento e fuga de talentos é real. As pesquisas mostram, porém, que organizações que investem em segurança psicológica, sentido de propósito, desenvolvimento contínuo e relacionamentos de confiança conseguem equipas mais resilientes, produtivas e leais.
- Criatividade como diferencial competitivo
A criatividade já aparece nas pesquisas internacionais como uma das soft skills mais procuradas para o futuro do trabalho, e os estudos da Dale Carnegie confirmam que as equipas veem em si grande potencial criativo. Porém, sentem “falta de espaço”, apoio e processos para transformar ideias em inovação concreta.
Os respondentes reconhecem que os colegas geram boas ideias, mas apontam dificuldade em conseguir patrocínio, recursos e canais claros para apresentar e testar propostas. Em economias lusófonas que precisam, simultaneamente, de eficiência e de diferenciação, o RH terá um papel determinante em:
- Criar mecanismos estruturados para recolha, triagem e experimentação de ideias.
- Garantir segurança psicológica para que pessoas se sintam seguras ao propor, errar e aprender.
- Desenvolver líderes e gestores capazes de patrocinar e destravar iniciativas inovadoras.
Cinco prioridades de RH para o mundo lusófono em 2026
Com base nos estudos, e olhando ao contexto de Brasil, Portugal e PALOP, destacam-se cinco prioridades estratégicas para RH em 2026:
- Gerir a IA com transparência e foco humano. Clarificar impactos, investir em requalificação por gerações e funções, envolver desde cedo quem será afetado.
- Desenvolver lideranças humanas em todos os níveis. Especialmente na gestão intermédia, com foco em comunicação, feedback, gestão da mudança e inclusão cultural.
- Detetar as lacunas de perceção e alinhamento. Diagnosticar regularmente diferenças entre líderes, gestores e colaboradores e ajustar comunicação, objetivos e processos de decisão.
- Tratar resiliência e bem-estar como capacidades estratégicas. Integrar bem-estar e resiliência em programas de liderança, modelos de gestão e indicadores de desempenho, e não apenas em ações pontuais.
- Transformar criatividade em inovação sistemática. Estruturar “a jornada da geração de ideias”, da geração à implementação com processos, reconhecimento e tempo protegidos.
Em síntese, o que se vislumbra para o RH no mundo lusófono em 2026 é um papel cada vez mais estratégico: moderar a relação entre tecnologia e pessoas, desenvolver lideranças humanizadas em todos os níveis, solucionar lacunas de perceção, estruturar a resiliência e libertar a criatividade. As organizações que souberem ler os sinais presentes nos estudos da Dale Carnegie e agir sobre estes terão condições para atrair, envolver e fidelizar talento num ecossistema em rápida mudança como é o nosso Mundo Lusófono em 2026.
Em última análise, 2026 não será apenas “mais um ano” para o RH/Gestão de Pessoas e para as organizações lusófonas: é um ponto de viragem histórico.
Os sinais estão todos à vista: tecnologia a acelerar, pessoas cansadas mas sedentas de sentido, talento a escolher com quem quer realmente “caminhar”. Perante isto, os líderes do mundo lusófono têm uma escolha clara: podem continuar a gerir no piloto automático, presos a modelos antigos, ou podem assumir, com coragem, o lugar de construtores de futuro.
Que 2026 seja o ano em que cada líder decide olhar as suas pessoas nos olhos, falar com verdade, ouvir sem se defender, arriscar em confiança, investir seriamente em desenvolvimento humano e fazer do local de trabalho um espaço de dignidade, crescimento e orgulho. A história do trabalho em português ainda está a ser escrita – e serão os líderes que tiverem a ousadia de agir agora que assinarão as páginas mais bonitas. ■
Pedro Ramos
CEO da Rharo by Group Talent
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