Opinião: “Portugal e a Diáspora: um só mundo”, por Paulo Pisco

“Muitos daqueles que então saíram com dificuldades superarem os obstáculos da diferença da língua e da cultura e conseguiram afirmar-se económica e socialmente, fruto da sua perseverança, determinação, capacidade de adaptação e de valores como o do trabalho, lealdade e confiança”

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Paulo Pisco, deputado do Partido Socialista (PS) na Assembleia da República portuguesa pela emigração pelo círculo da Europa
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Mais de meio século depois do 25 de abril, continua a haver um muro que separa Portugal das comunidades portuguesas no estrangeiro. Existem dois mundos onde devia haver apenas um. O país, as suas instituições e a sociedade não conseguiram ainda unir a pátria portuguesa, constituída pelos que vivem no país e pela sua diáspora, ela própria com as suas especificidades e diferenças em função dos países, que se acentuam mais na comparação entre os que estão na Europa e no resto do mundo.
Quando se olha para as políticas públicas dirigidas às comunidades portuguesas verifica-se que pouco mudou. Os residentes no estrangeiro continuam a ser vistos como emigrantes, com poucas diferenças. As preocupações de quem governa não são muito diferentes das que se tinham há 50 anos, quando a ação política era essencialmente dirigida para os serviços consulares, que funcionavam de forma ineficiente e antipática, o ensino de português para preparar os filhos dos emigrantes quando um dia regressassem a Portugal e o movimento associativo, preso às suas tradições, sobretudo ao folclore, expressão de uma forte ligação às origens.


Há meio século atrás, a maioria da emigração portuguesa estava ainda fora da Europa. Hoje, cerca de 70 por cento está concentrada na Europa, que então era fechada e hoje é um espaço de livre circulação para pessoas, empresas e trabalhadores e com direitos de cidadania, como o de votar e ser eleito a nível local. Há meio século, a emigração tinha pouca escolaridade e fugia da pobreza e da falta de oportunidades e hoje uma parte importante tem elevadas qualificações e, juntamente com muitos lusodescendentes, ocupam posições influentes no tecido económico, político, cultural e científico dos países onde vivem, o que constitui um poderoso ativo para a diplomacia e as relações bilaterais.

As sociedades evoluíram, a informação é muito mais acessível pelos canais de televisão públicos e privados e pelas redes sociais e meios digitais. 
Muitos daqueles que então saíram com dificuldades superarem os obstáculos da diferença da língua e da cultura e conseguiram afirmar-se económica e socialmente, fruto da sua perseverança, determinação, capacidade de adaptação e de valores como o do trabalho, lealdade e confiança.

Por isso, a forma como Portugal se relaciona com a sua diáspora tem de mudar radicalmente, deixando de ser um mero instrumento político, algo com que tem de se lidar em altura de eleições. E tem de mudar nas políticas dirigidas às comunidades e na forma como a administração pública e os municípios se relacionam com os nossos concidadãos residentes no estrangeiro, que não têm serviços minimamente à altura do que deveriam ter. São precisos mais recursos, mais imaginação, mais estratégia e mais abertura para ir ao encontro dos diferentes domínios que têm sido negligenciados ao longo de décadas, com algumas exceções pontuais. Dos jovens, das mulheres, dos empresários, dos políticos, dos cientistas, dos criadores culturais, dos que atingiram a idade da reforma, para a partir daí desenvolver relações bilaterais com os países de acolhimento que defendam e valorizem os portugueses que neles vivem, domínio em que, infelizmente, o atual governo tem sido totalmente inepto.

É preciso uma mudança de paradigma que tire os portugueses residentes no estrangeiro do gueto em que as políticas dos governos as têm colocado. É preciso fazer um mapeamento das comunidades para se conhecer melhor quem são os milhões de portugueses e lusodescendentes, o que fazem, como se sentem, o que precisam e o que pretendem que Portugal faça por eles. E, a partir daqui desenvolver um plano estratégico para as comunidades que faça essa mudança de paradigma tão necessária e urgente.

Uma coisa é certa. Quando os poderes públicos conseguirem olhar sem preconceitos para o que representa a diáspora portuguesa, verá que ela dá ao país infinitamente mais do que recebe e que está longe de ser apenas o enorme volume de remessas, a rondar os 4 mil milhões de euros anuais. O que naturalmente cria um sentimento de injustiça e de falta de reconhecimento que precisa de ser invertido.

Onde agora existem dois mundos, é preciso que a política tenha a inteligência e a sensibilidade para criar um só. É isso que os portugueses residentes no estrangeiro esperam. ■

 

Paulo Pisco

Deputado do Partido Socialista (PS) na Assembleia da República portuguesa pela emigração pelo círculo da Europa

*Publicado originalmente no jornal Público

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