Opinião: “A Língua Portuguesa pede socorro”, por Sônia Crisostomo

“Reflexões sobre estrangeirismos, relações organizacionais e identidade cultural”

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Sonia Crisóstomo, empresária, escritora, Coach em Well-being & Happiness
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A língua portuguesa, falada por mais de 265 milhões de pessoas no mundo, é hoje a quarta língua mais falada globalmente. É um idioma de história rica, estrutura sofisticada e expressividade incomparável. Com mais de 300 mil vocábulos registados e infinitas possibilidades de derivações, a língua portuguesa é, sem dúvida, uma das mais completas em termos lexicais. No entanto, em pleno século XXI, o idioma vem sendo invadido, com crescente frequência, por termos estrangeiros — especialmente anglicismos — no âmbito das relações sociais e, notadamente, nas organizações.

Este fenómeno transcende o simples empréstimo linguístico. Trata-se de uma questão cultural, identitária e, até mesmo, geopolítica, que levanta inquietações sobre a valorização da nossa própria língua, dos nossos saberes e da nossa forma de existir no mundo.

A Língua como património cultural e estratégico

A aceitação indiscriminada de termos como milestone, networking, deadline ou sales team dentro das empresas não revela uma insuficiência lexical do português, mas sim uma possível subvalorização da própria cultura linguística. Parece haver, sobretudo no ambiente corporativo, a crença de que o uso de palavras em inglês é um marcador de modernidade, sofisticação e alinhamento com as práticas internacionais de gestão.

Contudo, cabe refletir: por que precisamos parecer estadunidenses para sermos considerados eficientes ou estratégicos? A valorização de uma cultura linguística hegemónica, como a anglófona, em detrimento das riquezas da nossa própria língua, evidencia uma forma de colonização simbólica e silenciosa, cujos impactos se estendem para além da linguagem.

A organização como espaço de repetição de padrões culturais

No contexto organizacional, esse estrangeirismo linguístico muitas vezes anda lado a lado com padrões de comportamento que reproduzem desigualdades estruturais. Termos como mansplaining, bropriating, manterrupting, gaslighting e tokenism — todos importados e muitas vezes utilizados sem tradução — nomeiam práticas de violência simbólica e psicológica que se manifestam diariamente nas relações de trabalho, especialmente contra mulheres e grupos minoritários.

O uso recorrente desses termos estrangeiros sem tentativa de adaptação ou tradução é sintoma não apenas da influência do inglês, mas também da naturalização dos comportamentos que eles nomeiam. Neste sentido, não estamos apenas a importar palavras — estamos a importar estruturas de pensamento, lógicas de poder e dinâmicas de exclusão.

Idadismo, Wollying e Ghosting: Um léxico do adoecimento social

Outros conceitos, como ageism (idadismo), ghosting (desaparecimento sem explicações em relações pessoais ou profissionais) e wollying (bullying entre mulheres), revelam a complexidade e a gravidade das interações sociais contemporâneas. A superficialidade dos vínculos, o medo da entrega emocional, a cultura da performance constante e o silenciamento da diversidade criam um ecossistema de relacionamentos tóxicos, inseguros e efémeros.

Neste cenário, a língua — corpo vivo que traduz a alma de um povo — torna-se também vítima. Afinal, quando nos desconectamos da nossa linguagem, nos afastamos da nossa identidade, de nossos referenciais e da possibilidade de criar relações autênticas.

Valorizar a Língua Portuguesa é valorizar a nossa humanidade

A língua portuguesa não precisa de substituições — precisa de presença, consciência e valorização. Preservar e utilizar a nossa língua na sua plenitude é um ato de resistência cultural, de afirmação identitária e de humanidade. Nas organizações, essa valorização pode (e deve) coexistir com a inovação, a inclusão e o respeito.

Recuperar o uso consciente da língua portuguesa é também uma forma de criar ambientes organizacionais mais justos, colaborativos e saudáveis. É reconhecer que por trás de cada palavra existe um universo simbólico que modela as nossas relações, as nossas crenças e as nossas práticas.

Portanto, ao refletirmos sobre o idioma que usamos, refletimos também sobre o tipo de sociedade e de empresa que estamos ajudando a construir. E que ela seja, acima de tudo, humana, ética e respeitosa com suas raízes. ■

Sônia Crisostomo

Empresária, escritora, Coach em Well-being & Happiness, e ajuda pessoas de todas as partes do mundo a transformarem suas vidas para melhor

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2 COMENTÁRIOS

  1. Precisamos preservar nossa língua portuguesa, como forma de uma identidade própria, com toda a sua beleza e riqueza. Temos que enaltecer a nossa pertença linguística como preservação da nossa cultura, incentivo para nossos jovens tomarem ciência da sua importância. Viva a Língua Portuguesa!!!

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