
Criar um negócio num novo país exige mais do que uma boa ideia. Para muitos jovens imigrantes que escolhem Portugal para viver, os obstáculos começam logo na chegada: burocracia, barreiras culturais, desconhecimento do sistema legal e falta de rede de apoio. Perante este cenário, a Sheree – The Startup Place afirma-se como um ponto de viragem ao disponibilizar programas de incubação, plataformas digitais e ações de mentoria que facilitam o percurso de quem quer empreender em solo português, sobretudo jovens imigrantes. Com uma abordagem centrada na inclusão, na orientação prática e na criação de comunidades colaborativas, a incubadora tem ajudado a converter talento internacional em negócios sustentáveis e integrados no ecossistema nacional.
Coordenadora de projetos na Sheree, Ermelinda Nazaré António de Almeida, 26 anos, natural de Luanda, Angola, acompanha empreendedores, coordena plataformas como o ShereePlan e supervisiona a incubação de startups nacionais e internacionais. Reside atualmente em Portugal, é licenciada e mestre em Gestão de Empresas pela Universidade de São José (USJ), em Macau.
Em entrevista à nossa reportagem, esta responsável falou sobre a experiência na Ásia, referiu os desafios do mercado de trabalho e as oportunidades para os jovens empreendedores em Portugal, explicou as funções que desempenha na Sheree e defendeu a criação de iniciativas que possam contribuir para a criação de uma comunidade mais inclusiva e colaborativa entre os jovens empreendedores em terras lusas.
Como a sua experiência académica e profissional, iniciada em Macau e consolidada em Portugal, influencia a forma como coordena os projetos na Sheree – The Startup Place?
Vivi em Macau durante 10 anos, onde concluí o ensino secundário, a licenciatura e o mestrado em Gestão de Empresas pela Universidade de São José (USJ). Essa longa vivência numa região multicultural, que funciona como ponte entre o Oriente e o Ocidente, foi determinante para a minha formação pessoal e profissional. Convivendo diariamente com diferentes culturas e sistemas económicos, desenvolvi uma visão global, pensamento crítico e grande capacidade de adaptação. A formação na USJ complementou essa experiência, com uma abordagem internacional ao ensino da gestão.
O programa de BBA deu-me uma base prática sólida em áreas como ‘marketing’, finanças e empreendedorismo. Posteriormente, o MBA aprofundou as minhas competências estratégicas e de liderança, preparando-me para atuar com responsabilidade, ética e foco em inovação nos negócios. Toda essa trajetória moldou a profissional que sou hoje e influencia diretamente a forma como atuo na Sheree. A minha experiência intercultural e académica permite-me coordenar projetos com sensibilidade, método e eficácia, especialmente no apoio a empreendedores estrangeiros que enfrentam os desafios de começar num novo país. A parceria estratégica entre a USJ e a Sheree, formalizada em Macau, reforça esse elo entre continentes e valida a importância dessa vivência. Esta aliança promove a inovação e o empreendedorismo internacional, especialmente entre a Europa, a Ásia e os Países de Língua Portuguesa.
Que tipo de apoio concreto a Sheree oferece aos jovens imigrantes que procuram desenvolver as suas ideias de negócio em Portugal, especialmente na fase inicial da sua chegada ao país?
A Sheree oferece um ambiente de apoio completo a empreendedores internacionais, especialmente aqueles que pretendem lançar os seus projetos em Portugal. Atuamos desde a fase de análise de candidaturas, com base no grau de inovação, perfil do empreendedor e potencial de mercado, até ao acompanhamento estruturado do desenvolvimento do negócio. Através do Programa Startup Visa, os empreendedores selecionados iniciam um plano de incubação dividido em três fases, com apoio contínuo da nossa equipa e mentores especializados: Fase 1: Prova de Conceito (2 meses) – Desenvolvimento e validação do modelo de negócio, com orientação da equipa de gestão e consultores; Fase 2: Plano de Negócio e Constituição (3 meses) – Estruturação do plano estratégico e formalização da empresa; Fase 3: Implementação (7 meses) – Execução do plano com acompanhamento intensivo e avaliação com base em indicadores como processos, qualidade, rentabilidade e relacionamento com stakeholders. Além deste programa, os empreendedores têm acesso a sessões práticas de capacitação, apoio no desenvolvimento do plano de negócios, e integração numa rede colaborativa de mentores e outros empreendedores. Esta estrutura tem-se revelado essencial para transformar ideias com potencial em negócios sustentáveis, mesmo num contexto de adaptação cultural e legal, como no caso de muitos imigrantes.
A plataforma ShereePlan tem-se destacado como uma ferramenta estratégica no apoio ao empreendedorismo. Pode explicar como funciona este programa e que resultados já alcançaram junto da comunidade imigrante?
O ShereePlan é uma plataforma digital desenvolvida pela Sheree, acessível em shereeplan.pt, que permite o acompanhamento estruturado de ideias de negócio em fase inicial. Funciona como um guia interativo para empreendedores, com módulos práticos que os ajudam a validar a sua ideia, desenvolver o modelo de negócio, definir objetivos e estruturar um plano de ação personalizado. A plataforma é adaptável à realidade de cada empreendedor, especialmente útil para imigrantes que chegam a Portugal com uma ideia, mas precisam de orientação prática para a tornar viável. Já acompanhámos, através do ShereePlan, projetos nas áreas de alimentação saudável, turismo sustentável, serviços criativos e tecnologia, muitos dos quais estão hoje formalizados e ativos no mercado. O grande diferencial é a combinação entre tecnologia, metodologia clara e apoio humano. O empreendedor nunca está sozinho, e pode usar a plataforma ao seu ritmo, com suporte da equipa da incubadora e dos mentores.
Quais são os maiores desafios enfrentados pelos empreendedores estrangeiros em Portugal na hora de transformar uma ideia em negócio viável, e como a Sheree ajuda a ultrapassá-los?
Os principais desafios enfrentados por empreendedores estrangeiros em Portugal incluem o desconhecimento do ecossistema legal e fiscal, a burocracia, a limitação de recursos financeiros, a ausência de uma rede de apoio local e, em muitos casos, as barreiras culturais e linguísticas. A Sheree atua diretamente para mitigar esses obstáculos, oferecendo orientação prática sobre o contexto jurídico e fiscal português, apoio na estruturação financeira e formalização do negócio, e acesso a mentoria especializada. Além disso, facilitamos a ligação com outros empreendedores, mentores e parceiros, criando um ambiente colaborativo que favorece a troca de experiências e a criação de oportunidades. Este sentimento de pertença e rede de suporte é fundamental para que os empreendedores estrangeiros ganhem confiança, clareza e autonomia no processo de transformar a sua ideia num negócio viável e sustentável em solo português.
Além da incubação e mentoria, a Sheree também aposta na comunicação digital e na realização de eventos. De que forma estas iniciativas contribuem para criar uma comunidade mais inclusiva e colaborativa entre jovens empreendedores?
Acreditamos que empreender também é comunicar e conectar. Por isso, investimos em comunicação digital e eventos presenciais como ferramentas estratégicas para dar visibilidade às histórias dos nossos empreendedores e mostrar que é possível começar do zero com apoio e estrutura. O nosso ‘podcast’, Sheree Talks, é um exemplo disso, uma plataforma onde damos voz a experiências reais de quem empreende, inspirando outros jovens, a acreditarem no seu potencial. Já os bootcamps, workshops e sessões temáticas que organizamos promovem não apenas a partilha de conhecimento, mas também o ‘networking’ entre pares. Estes espaços encorajam a colaboração, a inclusão e o apoio mútuo, criando uma comunidade onde todos se sentem valorizados e integrados. Para jovens imigrantes que chegam com talento, mas sem rede, estas ações são muitas vezes o primeiro passo para estabelecer ligações reais e construir um caminho sustentável no ecossistema empreendedor português.
Na sua visão, qual é o papel que projetos como a Sheree devem desempenhar num país cada vez mais multicultural e com uma juventude imigrante cheia de talento, mas com dificuldades de acesso a oportunidades?
A Sheree tem o dever de ser uma ponte entre o potencial e as oportunidades reais. O nosso papel vai muito além da incubação de negócios. Trata-se de abrir portas, remover barreiras e garantir que qualquer jovem com uma ideia viável tenha acesso a conhecimento, estrutura e rede para a concretizar. Acredito que projetos como a Sheree devem ser tanto ponte quanto motor de oportunidades. Devem identificar talento, apoiar com ferramentas práticas e oferecer o suporte necessário para que, mesmo diante de dificuldades, o espírito empreendedor possa florescer. Num Portugal cada vez mais multicultural e diverso, é essencial que o ecossistema de inovação seja inclusivo, acessível e representativo. Isso começa com escuta ativa, apoio estruturado e acesso justo a recursos e redes que realmente façam a diferença na vida de quem está a começar. Acreditamos que o empreendedorismo com impacto nasce da diversidade, e é essa diversidade que torna os projetos mais inovadores, sustentáveis e transformadores.
Como foi a sua experiência e vivência em Macau?
Macau foi o ponto de partida da minha formação académica, pessoal e cultural. Vivi no país durante 10 anos, num ambiente verdadeiramente multicultural, que me expôs a diferentes formas de pensar, viver e empreender. Foi nesse contexto que construí as minhas bases, tanto no plano académico, ao estudar na Universidade de São José, como no plano pessoal e profissional.
Durante esse período, tive a oportunidade de participar em fóruns e conferências internacionais. Essa experiência desafiou-me a conjugar disciplina com criatividade, estratégia com sensibilidade, e a tomar decisões com uma visão global. Hoje, em Portugal, aplico tudo o que aprendi com um olhar internacional e empático. ■