Opinião: “A nossa Língua é a casa de onde nunca saímos”, por José Manuel Diogo

“A língua portuguesa não é só a nossa herança. É o nosso gesto futuro”

0
74
José Manuel Diogo, presidente da Associação Portugal Brasil 200 anos
- Publicidade -

*Há uma terra que não se mede por hectares, mas por sílabas. Uma pátria que não tem fronteiras, mas entoações. Uma casa sem paredes, feita de palavras que guardamos no peito como quem embala memórias. Essa terra é a língua portuguesa — e ela continua a ser o nosso primeiro chão.

Neste 5 de Maio, enquanto o calendário assinala o Dia Mundial da Língua Portuguesa, eu escrevo de longe — ou de dentro? — para todos os que, como eu, habitam o mundo com o coração ancorado num idioma que é rio e bússola, lágrima e riso, ciência e canção.

Somos milhões espalhados por continentes e oceanos, ligados por essa teia delicada e poderosa que é a nossa língua. Falamo-la em Lisboa, mas também em Luanda, em Olinda, em Díli, em Genebra, no Rio e em Maputo. Levamo-la connosco nos mercados, nos corredores das universidades, nas salas de espera, nos berços que embalam os filhos de quem partiu. É nela que explicamos quem somos quando o mundo pergunta. É nela que encontramos abrigo quando o mundo se mostra estranho.

A língua portuguesa não é só a nossa herança. É o nosso gesto futuro. Nela se fazem hoje tratados científicos, descobertas médicas, poesias que reinventam o mundo, diálogos entre civilizações. É um idioma que se adapta, que acolhe, que muda — como mudamos nós. Os que a defendem, a cultivam e a fazem crescer em outros territórios, não estão apenas a preservar tradições: estão a semear porvir.

Porque a língua não é só código. É afeto. É política. É destino. E é também resistência. Num tempo em que as culturas se diluem, as identidades se fragmentam, e as vozes se perdem no ruído das redes e da pressa, falar português é um ato de permanência. Um gesto de amor por quem fomos, um pacto com quem ainda seremos.

E mais: é um lugar de encontro. Onde cabem todos os sotaques — do cerrado ao arquipélago, do planalto à beira-mar. Onde um camponês e um cientista podem dizer “terra” e significar mundos distintos, mas entenderem-se na mesma emoção. Onde uma avó em Newark e uma neta em Braga podem conversar sobre o tempo e o amor — porque têm a mesma palavra para ambos.

Neste dia que é nosso, deixo um apelo que é também uma bênção: não deixem a língua por último. Façam dela o início. Ensinem-na aos filhos, cantem-na nas festas, usem-na nas descobertas. Escrevam cartas, digam poemas, defendam ideias com ela. Porque enquanto houver quem fale português com verdade, haverá futuro com memória.

Que cada um de nós, onde quer que esteja, seja guardião desta casa sem paredes e sem muros. Que a língua portuguesa continue a ser esse chão onde voltamos a ser — ainda que estejamos longe, ainda que estejamos sós. Porque quem tem uma língua, nunca está perdido.

Pela língua estamos sempre em casa. Todos perto. Todos unidos. Em cada página, em cada telemóvel, em cada celular, em cada ecrã, em cada tela, em todos os corações. ■

José Manuel Diogo

Presidente da Associação Portugal Brasil 200 anos

*Publicado originalmente no Diário de Notícias, Portugal

- Publicidade -

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.