Opinião: “Espanha como “fornecedora” de imigrantes legalizados para Portugal?”, por Higor Ferro Esteves

“Num momento em que Portugal enfrenta uma crescente escassez de mão de obra em setores estratégicos (...) Espanha surge, curiosamente, como potencial "fornecedora" de imigrantes legalizados para o mercado português”

0
29
Higor Ferro Esteves, vice-presidente da Comissão Executiva da Confederação Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP)
- Publicidade -

A discussão em torno da alteração da lei da imigração em Portugal levanta um ponto pouco debatido, mas altamente estratégico: a entrada de imigrantes, em Portugal, através de outros países da União Europeia.

Num momento em que Portugal enfrenta uma crescente escassez de mão de obra em setores estratégicos como agricultura, construção civil, restauração, saúde, tecnologia entre outros, o país vizinho, Espanha, por exemplo, surge, curiosamente, como potencial “fornecedora” de imigrantes legalizados para o mercado português.

A explicação está no modelo de concessão de nacionalidade espanhola, que se mostra significativamente mais ágil e favorável para cidadãos de países ibero-americanos, como o Brasil. Enquanto que, em Portugal, a naturalização por tempo de residência passará para um tempo mínimo de 7 anos (no caso do Brasil e países da CPLP), em Espanha esse prazo pode ser de apenas dois anos.

O efeito prático é simples: trabalhadores imigrantes optam por residir e trabalhar para uma empresa em Espanha que, por sua vez, pode lhes destacar (por tempo determinado) para Portugal. No caso dos imigrantes latino-americanos, esses podem tornar-se cidadãos espanhóis em 2 anos, conquistando, assim, o direito à livre circulação e ao trabalho em todo o espaço da União Europeia.

Para os empregadores portugueses, esse “atalho” espanhol pode ser altamente vantajoso no curto prazo. A contratação de uma empresa espanhola para a prestação de serviço com trabalhadores destacados elimina entraves como, vistos e burocracias nos processos demorados de regularização.

No entanto, os riscos e prejuízos para Portugal podem ser substanciais para as finanças públicas portuguesas e para o próprio controlo migratório do Estado.

Trabalhadores destacados por empresas espanholas continuam, por norma, a contribuir para a segurança social em Espanha por até 24 meses, de acordo com o regulamento europeu. Na prática, Portugal beneficia da força de trabalho, mas não arrecada as respetivas contribuições.

O mesmo aplica-se aos trabalhadores independentes ou prestadores de serviços que, mesmo atuando em território português, mantêm domicílio fiscal espanhol ou noutros países europeus. Resultado: perda de receita fiscal e contributiva.

Adicionalmente, o fenómeno dos trabalhadores transfronteiriços ou dos chamados “nómadas fiscais” levanta questões complexas sobre onde se gera riqueza e onde se deve tributar essa mesma riqueza. A mobilidade, facilitada pelas regras da UE, é um direito legítimo e Portugal deve refletir sobre esse efeito na sua decisão de alteração da lei de imigração.

Sob essa lógica, o Estado português perde duplamente: primeiro, ao não controlar diretamente a entrada e seleção de talentos (delegando isso, de forma tácita, ao sistema espanhol); segundo, ao não captar a contribuição fiscal e social desses profissionais, quando estes se integram plenamente no mercado laboral nacional, mesmo que seja por um tempo determinado.

Este é, portanto, um caso clássico de ambivalência política. É possível que estejamos a assistir ao nascimento de uma rota migratória ibérica, em que o trabalhador imigra para Espanha, adquire a residência e, em alguns casos, a nacionalidade europeia em dois anos. Posteriormente, instala-se em Portugal sem as barreiras aplicadas aos cidadãos extracomunitários.

Assim, a questão que se impõe é clara: Qual será o efeito económico que a nova lei da imigração poderá trazer para Portugal? ■

Higor Ferro Esteves

Vice-presidente da Comissão Executiva da Confederação Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP)

higoresteves@cecplp.org

- Publicidade -

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.