
Estamos criando uma geração de profissionais que terceiriza o pensamento? Tenho me feito essa pergunta com frequência, e ela nunca foi tão urgente quanto agora. Como professor de inteligência artificial em cursos de MBA, e também no ensino médio aqui no Brasil, convivo diariamente com estudantes que já nasceram imersos na tecnologia. A presença da IA nas salas de aula é uma realidade irreversível, mas a forma como ela está sendo usada, e, principalmente, como está moldando o modo de pensar, merece atenção séria.
Nos cursos de pós-graduação, percebo claramente os benefícios. A IA tem sido uma aliada poderosa para revisar textos técnicos, localizar fontes relevantes e estruturar ideias complexas. Em muitos casos, libera tempo para análise profunda e estimula conexões criativas. Mas nem tudo são ganhos. Tenho visto, também, muitos alunos utilizando essas ferramentas para terceirizar o curso por completo, entregando trabalhos produzidos inteiramente por inteligência artificial, sem qualquer pesquisa prévia, sem ideias próprias, sem reflexão. Ou seja, o risco não está apenas no ensino médio, ele atravessa todos os níveis da educação. Os benefícios e os perigos estão caminhando lado a lado em todo o processo acadêmico.
Já com os adolescentes, a situação é igualmente preocupante. Muitos recorrem à IA para evitar o esforço mais básico, ler, interpretar, construir uma ideia com suas próprias palavras. É como se a máquina estivesse assumindo o papel que deveria ser do próprio aluno, o de pensar. E isso, a longo prazo, é um empobrecimento do processo de aprendizagem.
Insisto, sempre que posso, com meus alunos, a IA pode até entregar boas respostas, mas jamais substitui a jornada de construção do pensamento. Quando a tecnologia ocupa o lugar da reflexão, o raciocínio enfraquece, a argumentação desaparece, e a autonomia intelectual deixa de existir. Já vi profissionais iniciando suas carreiras com uma habilidade impecável de usar ferramentas, mas sem clareza sobre como propor soluções ou formular hipóteses. Isso compromete a formação acadêmica e, mais grave ainda, compromete a capacidade de inovar. E sem inovação humana, a própria IA estagna, ela depende de novos saberes para continuar aprendendo.
O que me preocupa é que esse cenário não é exclusivo do Brasil. Em diversos países europeus, o tema já está em pauta. Um relatório recente da European Schoolnet mostrou que mais de 40% dos professores notaram um aumento no uso de IA para resolver tarefas escolares, muitas vezes sem orientação clara sobre como isso deveria acontecer. Com o avanço de regulações como o AI Act, a própria União Europeia começa a sinalizar a necessidade de diretrizes específicas para o uso educacional dessas tecnologias. O debate precisa sair da superficialidade do “pode ou não pode usar” e entrar na esfera mais profunda do “como e por quê usar”.
É aqui que vejo uma responsabilidade enorme das instituições de ensino. Não basta adaptar currículos e incluir a IA como ferramenta didática. É preciso preparar os alunos para usá-la de forma crítica, ética e criativa. Isso exige também rever o papel do professor, que deixa de ser apenas transmissor de conteúdo e passa a ser curador de pensamento, provocador de dúvidas, incentivador da autoria. Educação não é apenas acesso à resposta certa, é o processo de aprender a fazer as perguntas certas.
Acredito que formar pensadores livres, capazes de dialogar com a tecnologia sem submeter-se a ela, é o desafio pedagógico mais urgente da nossa era. A IA pode ser um instrumento transformador, sim, mas só se continuar servindo à inteligência humana, e não o contrário.
E Agora?
Será que estamos preparando as instituições para formar pensadores livres em uma era de automação crescente? Ou estamos apenas ensinando a usar ferramentas, sem ensinar a pensar? ■
André Aguiar
Especialista em Marketing, Escritor, Professor, Palestrante e Referência em Inteligência Artificial Aplicada aos Negócios; Licenciatura em Matemática, MBA em Marketing Digital e Analista de Sistemas
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