
O docente e escritor Pedro Sequeira de Carvalho, natural de São Tomé e Príncipe, traz para esta entrevista uma leitura profunda do estado da educação no país, sustentada por mais de duas décadas de trabalho no ensino básico, secundário, liceal e universitário. A experiência acumulada em múltiplos contextos permitiu-lhe mapear, com precisão e sobriedade, as fragilidades e as potencialidades do sistema educativo são-tomense. Entre carências estruturais, bibliotecas inexistentes e currículos desajustados, o docente identifica uma realidade onde muitos alunos continuam sem ver a escola como um lugar capaz de transformar vidas. Os índices de literacia permanecem estagnados e, apesar de haver mais pessoas a saber ler e escrever, grande parte delas permanece longe de utilizar a leitura como ferramenta para a vida. Para este responsável, falta ao país a construção de um ambiente académico consistente, capaz de inspirar os estudantes e de devolver aos docentes o entusiasmo necessário para exercerem o seu papel.
As palavras de Pedro Sequeira de Carvalho evocam uma urgência que atravessa a sociedade são-tomense. Os estudantes precisam de referências sólidas e exemplos quotidianos, diz o professor, sublinhando que não se aprende a ler apenas com manuais, mas com o testemunho vivo de quem lê. Do lado dos docentes, a realidade é marcada por baixos salários, falta de recursos e ausência de condições que fortaleçam o espírito académico. A desmotivação generalizada e a crescente onda de emigração agravam um quadro já frágil. Para este entrevistado, só será possível inverter este cenário com uma política séria de formação académica, com escolas que se tornem viveiros de sonhos e espaços de luz, e com dirigentes capazes de pensar a educação como pilar estrutural do futuro do país. É neste ponto que o professor insiste: a educação é a ferramenta mais sublime de combate às desigualdades e o único caminho para um amanhã mais justo e sustentável.
Depois de mais de 20 anos de experiência no ensino, passando pelo ensino básico, secundário e liceal, como descreve a evolução da literacia em São Tomé e Príncipe e que mudanças concretas observou no domínio da leitura e da escrita entre os alunos que formou desde 2004?
A evolução da literacia tem sido muito parca. É verdade que há mais gente que sabe ler e escrever, mas muitas delas são, como se diz, “analfabetos funcionais”. Os alunos não têm a literacia como uma ferramenta para a vida. O telemóvel, o tablet e o computador vieram fazer com que nos tempos presentes os alunos leiam e escrevam mais do que nos tempos anteriores, mas têm escrito cada vez pior e têm lido sem refletir. Não fazem leituras organizadas e estruturadas. Em termos de mudanças, eu vejo um maior acesso aos livros. Nos tempos passados era mais raro ver-se livros, embora a escassez ainda seja gigantesca, mas é menos gigante que há 20 anos. Os antigos, sendo saudosista como tendencialmente são os seres humanos, dizem que em tempos liam-se mais e escreviam-se mais. Eu não acho isto. Das pessoas que liam e escreviam eram um núcleo bem fechado. Eu não consigo ver grandes mudanças durante este 20 anos, sobretudo as mudanças significativas para melhor, digo isto com alguma pena. Eu sinto que falta fazer algo para estimular as efetivações das mudanças concretas em termos da evolução da literacia em São Tomé e Príncipe.
Lecionou disciplinas como Português, História, Filosofia, Integração Social e Formação Cívica em três escolas secundárias, além de ter atuado em dois polos universitários. De que forma essa diversidade de contextos e níveis de ensino influenciou a sua visão sobre as fragilidades e potencialidades do sistema educativo são-tomense?
Dei aulas em três escolas secundárias e em dois polos universitários e consegui trabalhar com estudantes de diversos quadrantes e faixas etárias e isto foi uma experiência enriquecedora e gratificante. Hoje posso dizer, até certo ponto, que conheço as fragilidades e potencialidades do sistema educativo são-tomense. As fragilidades são muitas, desde dirigentes políticos que não sabem pensar politicamente a educação, professores mal preparados, currículos escolares inadequados, infraestruturas muito deficitárias, pais e encarregados de educação desarticulados com as escolas, etc.

Todavia, os alunos são-tomenses são, de uma forma geral, muito inteligentes, gostam de estar na escola e sente-se bem estando no ambiente escolar. Mas os alunos não veem a escola como um lugar onde podem mudar as suas vidas. Não há grandes certezas sobre os benefícios da educação escolar. Nós precisamos fazer das escolas um lugar de esperança, um espaço de luz para os alunos, um viveiro dos sonhos.
No ensino superior, já trabalhou com cadeiras como Direito, Noções de Direito e Cidadania, Relação de Ajuda e Ética e Deontologia Profissional. Que contributos acredita que estas unidades curriculares oferecem para a formação de jovens profissionais num país que procura melhorar os seus índices de literacia e reforçar as competências cidadãs?
A tradição universitária é bem recente no país. A universidade pública como tal nem tem uma década de existência e isto agrava ainda mais a nossa responsabilidade enquanto professor. As unidades curriculares que leciono têm contribuído para que os jovens profissionais estejam mais bem preparados como profissionais e também como cidadãos. São unidades curriculares que transmitem as responsabilidade cívicas, humanitárias e sociais. Numa sociedade como a nossa, onde há muitas fragilidades institucionais, sinto que há uma responsabilidade acrescida em relação às minhas unidades curriculares, uma vez que todas elas tendem a contribuir para o reforço das virtudes individuais e coletivas, o que poderá traduzir em profissionais preparados para se criar as instituições fortes.
São Tomé e Príncipe enfrenta desafios estruturais no domínio da educação, desde carências de recursos até desigualdades sociais profundas. Com a experiência acumulada em sala de aula e no trabalho cívico e comunitário, que mudanças considera essenciais para melhorar os resultados de literacia e o desempenho geral dos estudantes?
Ainda temos um número muito reduzido de pessoas com formação superior no país. Precisamos de uma política séria de formação académica dos cidadãos, para reduzirmos as desigualdades sociais existentes, porque sabemos que a educação é uma sublime ferramenta para de combater a desigualdade social. Com a minha experiência como professor e ainda no trabalho cívico e comunitário, vejo que a educação não formal é uma ferramenta muito útil para o desenvolvimento dos cidadãos e de um país, mas que têm sido subvalorizado. Vejo ainda no país uma aguda falta de instituições vocacionadas para a melhoria de literacia e o desenvolvimento geral dos estudantes. As nossas escola têm que ter biblioteca de verdade, ou seja, com ferramentas que ajudem na melhoria da literacia dos estudantes. Temos de ter um sistema de ensino que enaltece as virtudes dos cidadãos, que leve aos cidadãos à tomada de consciência da sua importância para si e para toda uma sociedade. Não podemos estar somente a falar dos livros como que se estivéssemos a falar das estrelas; devemos falar dos livros com os livros nas mãos, devemos fazer os livros chegarem aos estudantes para que os alunos possam efetivamente experimentar e sentir as transformações que a leitura poderá fazer nas suas vidas. Os alunos precisam de ter os professores como exemplos e não aqueles que dizem “faça o que eu digo e não o que eu faço”. Sabemos a importância dos exemplos: um professor que aconselha aos alunos a lerem, mas os alunos nunca lhe veem com o livro, jamais acreditará nele. Precisamos de professores que deem a resposta dada talvez pelo Gandhi: a minha vida é a minha mensagem. Quando falo dos professores, pretendo ir mais longe, porque de uma forma quase que geral os estudantes precisam de referências, precisam de exemplos.
Como professor que acompanhou várias gerações de alunos, trabalhando em múltiplas escolas e universidades, que constatações retira sobre a motivação dos jovens, a preparação dos docentes e o papel das políticas públicas no futuro da educação em São Tomé e Príncipe?
Atualmente, a desmotivação dos jovens é muito grande. Estamos a enfrentar, como nunca antes, uma grande onda de emigração com o destino para Europa, tendo Portugal como a porta de entrada. Os jovens já não acreditam num futuro melhor e se sentem impotentes perante a realidade e, quem está mal e sente que nada pode fazer para mudar o seu estado, faz o óbvio, muda-se para outro lugar. Esta mudança é acompanhada por sentimento de que os dirigentes políticos não têm olhado para o jovens, assim, “é melhor irmos para onde temos a certeza ou a sensação de que há dirigentes políticos pensando em nós”, sendo esta uma conclusão comum de um jovem. Em relação aos docentes a realidade não é animadora.

Não há propriamente um ambiente académico que possa fortalecer o espírito académico nos docentes, há uma aguda carência bibliográfica, sobretudo no formato físico. Os salários na classe da docência são muito baixos e desmotivadores, o que faz com que muitos prefiram seguir outras carreiras ou ter de dar um número excessivo de aulas para obterem horas extras, as consequências recaem sobre os estudantes, sobretudo, que são vítimas diretas de má preparação dos docentes. O cenário pior têm sido os próprios docentes a optarem pela emigração. A realidade não é animadora. Quanto às políticas públicas para o futuro da educação em São Tomé e Príncipe, este é um assunto muito sério, porque briga com o futuro de uma nação. O país poderá e deverá desenvolver-se com a educação. Não tem como pensar em desenvolvimento sem pensar em educação e a grande verdade é que precisamos de dirigentes que tenham um pensar reformista e inclusivo considerando os papeis fundamentais das políticas públicas para um novo amanhã da educação em São Tomé e Príncipe. ■




