
Chegados ao Brasil há mais de seis décadas, milhares de portugueses cruzaram o Atlântico em busca de oportunidades e estabilidade, num fluxo migratório que encontrou no Rio de Janeiro um destino de promessas e desafios. Na década de 1960, a então capital federal era vibrante, marcada pelo crescimento urbano acelerado, pela inauguração recente de Brasília e pelo apelo turístico das suas praias e do samba. Entre 1950 e 1970, mais de 400 mil portugueses desembarcaram no Brasil, muitos deles fixando-se na cidade maravilhosa, onde apostaram sobretudo no setor do comércio, atuando em padarias, bares, restaurantes e armazéns, construindo uma rede de negócios que se tornou parte indissociável do quotidiano carioca.
É este o caso de Domingos Cunha, 75 anos de idade, comerciante, natural de Póvoa de Lanhoso, em Braga, Portugal. Ao chegar à cidade maravilhosa, onde está estabelecido, encontrou o cenário ideal para viver a sua saudade por Portugal, mas, também, para mostrar todo o seu amor pelo país de acolhimento, o Brasil, e desbravar o caminho do trabalho.
“A vontade de progredir trouxe-me ao Brasil em 1964, ainda muito jovem, com apenas 14 anos”, conta Domingos, que iniciou a sua trajetória como empregado no ramo do comércio na cidade maravilhosa logo nessa altura.
Hoje, as suas raízes em Portugal continuam a influenciar o seu trabalho e a visão empresarial no Brasil, motivo pelo qual aposta nas tradições que trouxe consigo para valorizar a sua terra natal.
É conhecido no seio da comunidade portuguesa do Rio como “assíduo” frequentador dos eventos da comunidade. Em 2024, por exemplo, esteve no Palácio São Clemente, residência oficial da cônsul-geral de Portugal no Rio, na Zona Sul carioca, durante uma receção ao primeiro-ministro português, Luís Montenegro, que reuniu diversas autoridades luso-brasileiras. Além disso, mantém contato com familiares e os demais portugueses e lusodescendentes residentes no Rio, e, sempre que pode, e ainda desde jovem, frequenta as festas nas casas regionais portuguesas no Rio, uma das suas paixões.
“Movido pela saudade, comecei a frequentar a Casa do Minho do Rio de Janeiro, onde fiz parte da diretoria e também do tradicional Grupo Folclórico Maria da Fonte”, conta Domingos, que explica como ingressou no tecido empresarial fluminense, numa fase em que ajudou também a ampliar a relevância do movimento associativo português no Rio.
“Em 1973 recebi um convite para fazer parte de uma sociedade num posto de gasolina, mas, desta vez, na cidade de Volta Redonda, onde encontrei muitos portugueses, o que nos levou a fundar a Casa de Portugal de Volta Redonda e o Rancho Folclórico Rendilheiras de Portugal, onde permaneci até 1983”, sublinhou.
Tradição luso-brasileira
Domingos Cunha acabou, mais tarde, por decidir retornar ao Rio de Janeiro para fazer parte da sociedade no Bar Glória, que conta com 80 anos de fundação, onde permanece até hoje.
O Bar e Restaurante Glória é um estabelecimento tradicional localizado no número 6 da Rua do Acre, no bairro da Saúde, próximo à Praça Mauá, no centro boémio do Rio de Janeiro. Fundado em 1945, o restaurante tem uma longa história de mais de 80 anos servindo a comunidade local e visitantes, numa aposta, nos últimos anos, na gastronomia portuguesa e brasileira. É conhecido pela sua culinária de inspiração portuguesa e tem no cardápio o leitão à bairrada, prato avaliado positivamente por muitos clientes “como o melhor do Rio de Janeiro”. A gestão do restaurante é realizada por portugueses, como o nosso entrevistado, o que contribui para a autenticidade dos pratos servidos.
Ao longo de décadas de funcionamento, o Bar e Restaurante Glória consolidou-se como um ponto de encontro para apreciadores da boa gastronomia e da tradição luso-brasileira no Rio de Janeiro. A localização privilegiada do restaurante, próximo ao Museu do Amanhã e à Avenida Rio Branco, torna-o uma opção conveniente para quem explora a região central da cidade, atraindo cada vez mais turistas, além de atender muitos funcionários de empresas públicas e privadas no centro financeiro do Rio de Janeiro.
“Pela proximidade com a Rádio Nacional, por lá passaram grandes nomes da música brasileira, como Ângela Maria, Emilinha Borba, Cauby Peixoto e também atores, repórteres, apresentadores, etc.”, comentou Domingos, que não esconde os momentos menos positivos dessa história.
“Como tudo na vida, também houve muitos desafios para seguir adiante, como a demolição do viaduto da Perimetral (uma importante artéria no Centro do Rio que deu lugar a uma nova avenida, prejudicando os atendimentos e o fluxo de clientes no local por meses), pandemia de Covid-19, mas sobrevivemos e aqui estamos. A revitalização da Praça Mauá dinamizou o turismo, a parte cultural, com a chegada de museus e a realização de eventos gastronómicos e de entretenimento”, celebrou.
Apesar de amar Portugal, a sua ligação com o país é hoje movida pelo desejo de rever as suas raízes, mas não pensa mais voltar a viver na Europa.
“Planos para voltar a Portugal? Sim, mas a passeio”, referiu.
Este empresário considera serem necessários “muita perseverança e trabalho” para quem queira empreender no Brasil, sobretudo, se for o desejo dos portugueses que decidam trabalhar no maior país da América do Sul.
Sobre o seu passado, este cidadão português defende o seu esforço e reconhece a importância dos desafios que encontrou que moldam hoje a sua experiência e sucesso.
“Domingos Cunha é um homem que chegou ao Rio de Janeiro muito jovem, com 14 anos, estabeleceu-se, constituiu família e é muito grato ao Brasil pelas oportunidades que aqui encontrou”, finalizou Domingos Cunha. ■
Fantástico Igor.
Muito bom, Igor. Adorei essa leitura.