Opinião: “Nova Lei de Imigração: O que mudou e impactos para empreendedores da CPLP”, por Luíz Fernandes

Entenda o contexto da nova legislação

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Luíz Fernandes, advogado especialista em direito digital e desenvolvimento de negócios
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Nos últimos dias, o Parlamento português aprovou uma nova Lei de Imigração, trazendo mudanças significativas nas regras de entrada e permanência de estrangeiros no país. Trata-se de um pacote legislativo apoiado pela atual coligação de centro-direita (com PSD e CDS-PP) e pelo partido nacionalista Chega, contra o qual votou toda a esquerda parlamentar. A proposta – ainda pendente de promulgação presidencial – foi apresentada como necessária para “regular a imigração, limitando os fluxos CPLP, vistos de trabalho e reagrupamento familiar”, ajustando os fluxos à capacidade de integração do país. Na prática, isso significa um endurecimento das condições para imigrar, invertendo em parte a abordagem mais acolhedora das leis anteriores. A seguir, explico as principais diferenças entre a legislação antiga e a nova, quem é afetado pelas mudanças e analiso se há benefícios ou prejuízos para os empreendedores, em especial aqueles oriundos de países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).

Principais diferenças entre a lei antiga e a nova

Comparada à legislação anterior, a nova lei de imigração introduz várias mudanças relevantes. Destaco a seguir os pontos principais que diferenciam o novo regime:

Fim do “Canal CPLP” (facilitação para lusófonos): Cidadãos de países lusófonos (CPLP), como Brasil, Angola e Moçambique, perdem o tratamento privilegiado que permitia solicitar autorização de residência após entrar em Portugal como turistas. A partir de agora, todos precisarão obter um visto de residência ou trabalho no país de origem antes de se mudarem para Portugal. Em outras palavras, não será mais possível entrar como turista e depois pedir a residência – a via especial criada recentemente para a CPLP será extinta.

Restrição do visto de procura de trabalho: O visto para procurar emprego em Portugal – uma modalidade criada na lei de 2022 e muito procurada por brasileiros – passa a ser limitado apenas a profissionais “altamente qualificados” considerados em falta no país. Além disso, esse visto terá validade máxima de 6 meses (antes eram até 9 meses, somando prorrogações). Ou seja, quem não tiver qualificações elevadas dificilmente conseguirá um visto para buscar trabalho em território português, sinalizando uma preferência clara por mão de obra especializada.

Reagrupamento familiar mais rigoroso: A nova lei impõe uma carência de até 2 anos de residência legal em Portugal para poder solicitar o reagrupamento familiar (trazer cônjues e pais dependentes que estejam no exterior). Antes, não existia um prazo de espera geral tão longo – bastava que o residente comprovasse meios de sustento e alojamento adequados para a família, podendo pedir o reagrupamento praticamente logo após obter a própria autorização de residência. Agora, pela regra aprovada, somente após dois anos no país um imigrante poderá reagrupar a família, exceto em alguns casos específicos (por exemplo, se tiver filhos menores ou dependentes, ou se o cônjuge/companheiro já estiver legalmente em Portugal). Para casais em união de facto (não casados oficialmente) sem filhos, requer-se ainda prova de união estável prévia de pelo menos 12 meses para antecipar o reagrupamento. Essa mudança eleva consideravelmente o tempo de separação das famílias imigrantes, que antes podiam se reunir em bem menos tempo.

Possibilidade de ação judicial contra a burocracia: Em resposta a frequentes atrasos nos processos, a lei estabelece que passa a ser possível acionar judicialmente a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) em caso de demora excessiva na análise dos pedidos. Além disso, o prazo oficial para a AIMA responder a solicitações (por exemplo, de reagrupamento) foi estendido para 9 meses (antes eram 3 meses, prorrogáveis por mais 3). Na prática, reconhece-se o direito do imigrante de recorrer à via judicial caso a administração não cumpra os prazos – um pequeno ganho em termos de proteção jurídica, ainda que os prazos tenham ficado mais dilatados.

Nacionalidade e outros pontos: Embora não faça parte direta desta lei (será tratado em diploma à parte), discute-se em paralelo um endurecimento dos critérios para obtenção da nacionalidade portuguesa por tempo de residência. O governo cogita aumentar de 5 para 7 anos o tempo mínimo de residência para nacionais da CPLP pedirem naturalização, e para 10 anos no caso de estrangeiros de outras nacionalidades. Ou seja, pretende-se exigir mais tempo para um imigrante se tornar cidadão, revertendo a regra atual de 5 anos (em vigor desde 2018). Este ponto ainda não foi aprovado e enfrenta críticas, mas vale mencionar no contexto das tendências restritivas atuais. Outro aspecto a destacar é que vistos de trabalho em setores essenciais poderão ser regulados por acordos bilaterais entre Portugal e países de origem da mão de obra – uma forma de planejar a imigração laboral (por exemplo, recrutando trabalhadores agrícolas via convênios) em vez de deixá-la à iniciativa individual dos imigrantes.

Em suma, a nova lei representa um giro mais restritivo: dificulta a vinda espontânea de imigrantes menos qualificados ou sem oferta prévia de emprego, retira facilidades que haviam sido concedidas a cidadãos CPLP, e impõe mais condições para reunir familiares. Por outro lado, mantém abertas (e até reforça, indiretamente) as portas para perfis que o governo considera desejáveis, como profissionais altamente qualificados e investidores/empreendedores – categorias que não sofreram novas barreiras explícitas.

Impactos para pessoas e empresas

As mudanças acima têm impactos profundos tanto para os candidatos a imigrantes quanto para o mercado de trabalho e as empresas em Portugal. Do ponto de vista das pessoas, especialmente aquelas de países da CPLP, as novas regras são um banho de água fria em muitos planos de mudança.

Com a nova lei, essa via especial da CPLP foi eliminada, nivelando os lusófonos às demais nacionalidades em termos de exigências de visto. Todos os interessados em residir em Portugal que sejam oriundos do Brasil, Angola, Moçambique e demais nações lusófonas agora terão que planejar a migração com antecedência, obtendo o visto adequado no consulado português do seu país antes de viajar. A possibilidade de “vir tentar a vida” chegando como turista e depois ajeitar os papéis por aqui – que muitas pessoas usaram nos últimos anos – deixa de existir. Para milhares de brasileiros, por exemplo, isso significa mais burocracia, custo e tempo para realizar o sonho de morar em Portugal. Muitos terão que repensar suas estratégias: quem antes viria primeiro sozinho para buscar emprego agora talvez precise já conseguir uma oferta de trabalho qualificado desde o Brasil (para então obter um visto), ou considerar outras vias legais de entrada, como visto de estudo ou de empreendedor. Naturalmente, espera-se uma redução no fluxo migratório de quem não se encaixa nos novos critérios.

Para os imigrantes que já estão em Portugal, a nova lei também traz apreensão. Muitos recorreram à figura da manifestação de interesse, ou à autorização CPLP, para se legalizar após chegar, foram mais de 300 mil pessoas nessa situação recentemente.

Do ponto de vista das empresas e da economia, os impactos são de dupla face. Setores da economia portuguesa que dependem de mão de obra estrangeira pouco qualificada – como agricultura, construção civil, limpeza, restaurantes e hotelaria – podem sentir dificuldade maior em recrutar funcionários. Isso porque a via do visto de procura de trabalho genérico praticamente se fecha para essas funções, e a regularização informal pós-chegada também se complica. É provável que falte pessoal disposto a trabalhar em certos serviços, a não ser que o governo agilize os acordos bilaterais prometidos para trazer trabalhadores desses setores de forma organizada. Entretanto, tais acordos costumam ser mais lentos e quantitativamente limitados, o que gera preocupação entre alguns empregadores. 

Por outro lado, as empresas de tecnologia, engenharia, saúde e outras áreas de alta qualificação tendem a apoiar a mudança que privilegia profissionais qualificados. O governo sinaliza que quer atrair talentos específicos e deverá continuar emitindo vistos (ou mesmo facilitando procedimentos) para quem tem diplomas, competências e ofertas de emprego nesses campos. Dessa forma, empresas de base tecnológica ou científica podem encontrar menos concorrência de imigrantes não qualificados no sistema e talvez um canal mais direcionado de contratação no exterior. Em tese, concentrando os vistos de trabalho em perfis de alto nível, o país busca suprir lacunas especializadas sem abrir as portas indiscriminadamente. Resta saber se o critério de “altamente qualificado” será bem definido e ágil – o que nem sempre é trivial – e se suprirá as diversas necessidades do mercado.

No tocante à imagem do país e clima de negócios, há também efeitos a considerar. Portugal vinha, nos últimos anos, construindo uma reputação de destino acolhedor para expatriados, empreendedores estrangeiros, nômades digitais e aposentados, com políticas como o Visto D7, o Visto para Nômades Digitais e a facilidade de residência para CPLP. Esse ambiente amigável atraiu investimento, consumo e atenção internacional. A nova lei, ao endurecer as regras, pode passar uma mensagem contraditória. Alguns investidores ou talentos em potencial podem enxergar o país como menos aberto ou temer que as regras mudem abruptamente novamente. Contudo, é importante frisar que Portugal continua interessada em atrair estrangeiros que contribuam economicamente – prova disso é que mantém programas de visto para quem tem renda própria ou quer empreender, sem alterações negativas até o momento. Em resumo, as empresas portuguesas podem esperar um fluxo menor de imigrantes generalistas buscando emprego, mas não devem ser afetadas na vinda de perfis estratégicos nem de investidores que queiram se instalar.

Empreendedores estrangeiros (CPLP) e o novo cenário: prejuízo ou oportunidade?

Para os empreendedores estrangeiros, em especial aqueles vindos de países da CPLP, a boa notícia é que pouco ou nada muda diretamente com a nova lei. Diferentemente dos trabalhadores menos qualificados, os imigrantes dispostos a investir ou abrir um negócio em Portugal não enfrentam novas barreiras legais específicas. O já conhecido Visto D2, destinado a quem quer empreender no país, permanece em vigor com os mesmos critérios de antes. Através dele, um cidadão de fora da UE que apresente um plano de negócio viável ou investimento em Portugal pode obter uma autorização de residência para viver e trabalhar legalmente aqui. Esse visto – que continua acessível a brasileiros e demais lusófonos nas exatas condições de qualquer outro estrangeiro – permite ao empreendedor trazer a família junto consigo (legalmente, por meio do reagrupamento) e dá direito inicialmente a uma autorização de residência de 2 anos, renovável. Ou seja, quem pretende abrir empresa em solo português ainda conta com essa porta aberta, e ela não ficou mais estreita agora.

Vale lembrar que Portugal, nos últimos anos, tem se destacado por políticas públicas voltadas a atrair investimento estrangeiro e empreendedores qualificados. Não por acaso, o país criou vias como o visto D2 (para empreendedores de pequenas e médias empresas) e programas como o Startup Visa e o “Golden Visa” de Investimento, este último, apesar de recentemente reformulado, mostrou o empenho em captar capital e negócios inovadores. Importante destacar que o caso dos veículos internacionais, Portugal é considerado um dos melhores países da Europa para investidores estrangeiros, graças a incentivos fiscais e à estratégia governamental de combater o envelhecimento populacional com renovação migratória. Pessoas de fora dispostas a abrir empresas em Portugal são bem-vindas e bem vistas, pois contribuem para a economia e a criação de empregos locais. Em outras palavras, empreender em Portugal continua sendo um caminho valorizado e relativamente facilitado pelas autoridades. O próprio processo de abertura de empresas aqui é menos burocrático que em muitos países, e não se exige um capital social elevado – oficialmente pode-se abrir empresa até com 1€ de capital, embora um investimento compatível com o negócio proposto seja recomendado. Não há requisito de gerar um número mínimo de empregos para o visto D2 ser concedido, ao contrário do “visto gold”. 

Dito isso, é importante ter expectativas realistas: a nova lei de imigração não trouxe novos incentivos específicos aos empresários estrangeiros, apenas manteve o que já existia. Alguns podem argumentar que o ambiente geral fica menos acolhedor quando se endurece outros aspectos – por exemplo, um empreendedor estrangeiro sem nacionalidade europeia que queira se instalar agora terá que planejar bem também a situação da sua família, já que as regras de reagrupamento familiar se aplicam a todos. Se esse empreendedor for casado e o cônjuge inicialmente ficar no país de origem, poderá enfrentar a carência de 2 anos para juntá-lo(a) em Portugal caso não tenham filhos menores. Portanto, ainda que o negócio em si não encontre obstáculos adicionais, a dinâmica familiar e pessoal do imigrante empreendedor pode ser afetada pelas novas políticas. É algo a se considerar no planejamento: talvez a solução seja vir já com a família desde o início (cada um com visto adequado) ou estar preparado para algum tempo de separação até poder trazer todos.

No balanço geral, não houve prejuízo direto aos empreendedores estrangeiros com a nova legislação – mas também não houve ganho específico além da manutenção do status quo. Em certo sentido, pode-se até dizer que, relativamente, empreender tornou-se um caminho mais atraente para imigrar, já que outras rotas ficaram mais difíceis. Um cidadão lusófono que anteriormente poderia pensar em vir buscar emprego sem plano agora tem incitamento a vir com um plano de negócio. Se possui o espírito empreendedor e recursos mínimos para investir, o Visto D2 configura-se como uma alternativa concreta e viável. Inclusive, há quem interprete que o governo, ao fechar portas a quem vinha sem emprego garantido, esteja indiretamente incentivando a vinda de quem gera o próprio emprego – ou seja, os empresários e profissionais independentes. ■

Luíz Fernandes

Advogado especialista em direito digital e desenvolvimento de negócios

*Os artigos de opinião são de inteira responsabilidade dos seus autores e não refletem, necessariamente, a visão do nosso órgão de comunicação social

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