
Em meio ao fervor narrativo da novela brasileira “Vale Tudo”, surge um momento que transcende a televisão: a cena em que Odete Roitman, figura central na trama, segura, com uma expressão singular, o “Guia do Autodomínio”, da autora Maria Klien, psicóloga: “sinto que essa cena foi um presente — não só para mim, mas para a mensagem do livro”.
No contexto emocional da novela, a aparição do seu livro torna-se metáfora viva: “quando nos conhecemos melhor, deixamos de ser reféns das emoções”. Essa frase chave, repleta de peso psicológico, ecoa não só nas páginas, mas agora no imaginário televisivo de milhões. A ponte entre Brasil e Portugal, entre o íntimo e o público, fortalece a ideia de que o livro é algo vivo, pulsando em diferentes culturas, tocando diferentes corações.
A trajetória editorial do livro já atravessou continentes: foi lançado pela IN-Finita Editorial, liderada por Adriana Mayrink, tanto no Brasil como em Portugal, e viu a sua presença destacada em eventos literários marcantes, como a Feira do Livro de Lisboa, no ambiente cerimonial da Festa do Livro de Belém com o presidente português Marcelo Rebelo de Sousa, entre outros espaços.
O livro “não apenas transformou outras vidas: transformou a minha também”, afirma Maria Klien, lembrando que essa obra, forjada em experiência e estudo, tornou-se, para si, instrumento de autotransformação.
O alcance do livro está longe de adormecer: o “Guia do Autodomínio” está prestes a desembarcar no Salão do Livro Lusófono de Paris, organizado pela União Europeia dos Escritores de Língua Portuguesa (UEELP), além de ganhar destaque em Nova Iorque, com sessões previstas no Consulado-Geral do Brasil na cidade norte-americana, com o apoio da FOCUS BRASIL NY.
Em entrevista à nossa reportagem, Maria Klien, especialista em ansiedade, explora o significado dessa cena emblemática em “Vale Tudo”, a ressonância do livro entre duas nações e, sobretudo, a visão que Maria Klien cultiva sobre domínio emocional e os caminhos da transformação interna.
O que sentiu ao ver o seu livro, “Guia do Autodomínio”, nas mãos de Odete Roitman, numa cena marcante da nova edição da novela “Vale Tudo”, na TV Globo? E o que isso representa para si e para o livro, em termos de alcance?
Foi uma surpresa imensa e profundamente simbólica. “Vale Tudo” sempre foi uma novela que expõe o lado mais sombrio da sociedade. A música de abertura, na potente voz da Gal, clamando “Brasil, mostra a tua cara” define bem o que a novela se propõe a mostrar – e é justamente isso que torna tão potente a presença do meu livro ali. A personagem da Odete Roitman representa a sombra em nós: aquilo que todos carregamos, mas nem sempre queremos ver. E o “Guia do Autodomínio” é, em essência, sobre isso: sobre reconhecer as nossas emoções, em vez de sermos dominados por elas. O livro foi pedido pela produção da Globo e, quando soube que seria gravado, fiquei numa expetativa boa. Mas os dias passaram, e ele não aparecia, a data do capítulo em que a morte dela seria exibida chegando mais perto, até que, na madrugada de segunda para terça-feira, recebi uma ligação da minha mãe, eufórica: “Mery! Odete está na cama com o teu livro! Antes de morrer!”. Melhor cena, impossível! Claro que surgiram as brincadeiras, do tipo “se tivesse lido antes, talvez não tivesse morrido”, mas a verdade é que a Odete, dentro da sua loucura, exercia algum tipo de domínio emocional. E isso toca num ponto essencial: quando nos conhecemos melhor, deixamos de ser reféns das emoções e passamos a usá-las como mensageiras. Isso é autodomínio. Foi muito significativo ser justamente ela, uma figura tão icónica e contraditória, a segurar o livro. E preciso deixar aqui o meu agradecimento à Débora Bloch, que foi generosa ao manter o livro visível em cena. Ela não é a Odete – e isso também diz muito. Os nossos papéis não nos definem por inteiro. Ver o “Guia do Autodomínio” naquela cena foi mais do que uma conquista pessoal: foi um símbolo de que a transformação emocional pode (e deve) chegar a todos. Porque autoconhecimento não é luxo: é necessidade, para qualquer idade, profissão ou momento da vida.
Como o “Guia do Autodomínio” pode contribuir com o momento atual, em termos sociais e de saúde mental no Brasil e no mundo?
Vivemos tempos de muita instabilidade – emocional, social e coletiva. Há uma pressão constante, uma sensação de desorientação generalizada. E, nesse contexto, o autoconhecimento deixa de ser apenas uma busca pessoal para se tornar uma ferramenta essencial de saúde mental. O “Guia do Autodomínio” convida à escuta interna, à coragem de olhar para dentro e lidar com as próprias emoções de forma consciente. E isso é urgente. Quando não conhecemos as nossas sombras, somos governados por elas. Quando aprendemos a reconhecê-las, temos a chance de escolher com mais liberdade, com mais presença. Ver o livro justamente nas mãos da Odete Roitman, instantes antes de uma das cenas mais icónicas da teledramaturgia brasileira – a célebre pergunta “Quem matou Odete Roitman?” parou o país nos anos 1980 e agora novamente domina todas as conversas – carrega um simbolismo profundo. Foi, para mim, uma emoção imensa.
Uma personagem histórica, marcada pela frieza e manipulação, aparece sozinha, deitada na cama de um hotel, lendo um livro sobre autodomínio, minutos antes de ser assassinada. É quase um convite silencioso à reflexão: sobre o que escolhemos ver, transformar – ou simplesmente ignorar – em nós mesmos. Sinto que essa cena foi um presente – não só para mim, mas para a mensagem do livro. E acredito, com humildade, que essa sorte tem a ver com entrega. Todos os dias, ao acordar, eu peço para ser instrumento. Quando estamos alinhados com o nosso self, com a parte mais luminosa de nós, o universo responde. Porque, no fim das contas, o mundo precisa de luz. Lembro, a propósito, de um gesto lindíssimo da Jane Goodall, que nos deixou recentemente. Ela preparou um documentário para ser exibido na Netflix apenas após a sua morte. E nesse episódio – que parece mesmo um reencontro com ela, como se tivesse voltado dos mortos só para nos deixar uma última mensagem – Jane diz algo que me tocou profundamente: que hoje, mais do que nunca, os que têm luz precisam oferecê-la. E que isso é mais que uma obrigação: é um dever.
Onde o livro “Guia do Autodomínio” pode ser encontrado?
A forma mais fácil de encontrar o livro é através do site: www.guiadoautodominio.com onde estão disponíveis as versões em português, inglês e francês, além do Caderno de Atividades, que complementa a leitura. O livro está disponível na Amazon Brasil, EUA e Europa. Para quem usa o Kindle Unlimited, a versão digital pode ser lida gratuitamente. Em livrarias físicas, pode ser encontrado no Rio de Janeiro (Livraria Argumento e Livraria da Travessa), em São Paulo (Livraria Cultura) e em Recife (Livraria do Jardim). Em Portugal, está à venda na Bertrand, FNAC, Wook e Livraria da Travessa.
Já disse que o livro é fruto da sua experiência pessoal. Como sente que ele está a transformar a sua própria vida?
O “Guia do Autodomínio” nasceu da junção entre ciência e experiência. Ele tem psicologia, tem neurociência, mas, acima de tudo, tem verdade. É um livro que vem de um lugar de vulnerabilidade, e talvez por isso esteja a tocar tanta gente. Porque só quando nos permitimos ser vulneráveis é que a cura começa. Ao escrevê-lo, fui integrando partes minhas, visitando lugares internos que também precisavam de atenção. Escrever é um processo terapêutico, um verdadeiro mergulho nos meus próprios quartos fechados. Eu sei o que é ser refém do medo, sei o que é deixar de viver por medo de morrer. E ninguém merece viver assim. Criei esse livro porque, na minha própria busca, nunca encontrei um material acessível, direto, que acolhesse a “criança” que desperta em nós quando estamos em sofrimento. E é justamente para essa parte interna, frágil e desorientada, que escrevo: com clareza, simplicidade e ferramentas práticas. A partir do livro, nasceu também o Caderno de Atividades: uma jornada terapêutica guiada, pensada para quem precisa de direção. Porque, quando estamos em dor, uma das primeiras coisas que perdemos é justamente o rumo, a clareza, o norte. E, como disse antes, escrever é um processo terapêutico muito importante. E, mais recentemente, estou a criar o grupo Minha Kura (com K mesmo, pois brinco com as mesmas iniciais do meu nome), um espaço quinzenal de partilha e acompanhamento. Tudo isso surgiu do livro. Ele não apenas transformou outras vidas: transformou a minha também. Porque escrever, para mim, é também uma forma de cura. E guiar os outros nesse processo tem sido uma das maiores dádivas da minha vida. ■