
Na cidade da Covilhã, Portugal, um centro pioneiro tem vindo a transformar a vida de centenas de pessoas que convivem diariamente com dores persistentes e debilitantes. A Unidade de Fibromialgia, Síndrome de Sensibilidade Central e Dor Crónica, instalada na Associação de Socorros Mútuos Mutualista Covilhanense, é liderada pelo Prof. Dr. José Luis Arranz Gil, médico de origem espanhola, doutorado em Medicina e Cirurgia pela Universidade de Alcalá de Henares, professor na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior e presidente fundador da Academia Portuguesa de Fibromialgia, Síndrome de Sensibilidade Central e Dor Crónica.
Com mais de três mil consultas realizadas desde a sua criação em 2021, esta unidade tem-se destacado por oferecer abordagens terapêuticas “integradas e inovadoras”, com uma taxa de melhoria significativa em “85% dos casos”.
Nesta entrevista exclusiva, o Prof. Dr. Arranz Gil partilha a sua visão sobre o tratamento da fibromialgia e da dor crónica, destacando a importância de uma abordagem multidisciplinar que vai além dos medicamentos. Desde terapias físicas e nutricionais até ao uso de tecnologias avançadas como as ondas de choque, o especialista revela ainda como a personalização do tratamento e a compreensão profunda da doença são “cruciais” para a recuperação dos pacientes. Um tema que, de acordo com este especialista, precisa ser acompanhado cada vez mais com atenção por profissionais de saúde, gestores da área e, sobretudo, pelos doentes que procuram “esperança e qualidade de vida”. “Não se pode tratar o que não se entende”, define o Prof. Dr. José Luis Arranz Gil.
Como se encontra atualmente o desenvolvimento da Unidade de Fibromialgia, Síndrome de Sensibilidade Central e Dor Crónica da Mutualista da Covilhã?
Atualmente, a Unidade de Fibromialgia acaba de atender a paciente número 360 e, considerando que cada paciente comparece várias vezes às sessões, já ultrapassamos no total as 3100 visitas ou consultas à nossa unidade. Cerca de 85% dos pacientes apresentaram uma melhoria significativa no seu quadro clínico.
Dirige-se à unidade um maior número de pacientes com fibromialgia ou com dor crónica?
Temos 90% de pacientes afetados por fibromialgia e/ou fadiga crónica, e 10% de pacientes com dor crónica.
Pacientes com dor crónica podem acabar por desenvolver fibromialgia?
Resumir-lhe-ei de forma esquemática: todos os pacientes com fibromialgia e/ou fadiga crónica apresentam dor crónica, mas nem todos os pacientes com dor crónica apresentam fibromialgia.
Pode explicar?
Partimos do princípio de que a fibromialgia é uma desadaptação crónica ao stress. Portanto, uma dor crónica é um stress crónico. Contudo, para que a dor crónica cause ou possa causar fibromialgia ou fadiga crónica, são necessárias duas condições “sine qua non”: a primeira é uma base genética, ou seja, uma disposição ou predisposição constitucional; e a segunda é que a pessoa não consiga, de forma alguma, adaptar-se ao stress crónico. No caso em questão, essa segunda condição seria que a pessoa não é capaz de se adaptar, de forma alguma, à dor crónica.
O tratamento da fibromialgia e da dor crónica é mais “não farmacológico” do que “farmacológico”?
Eu individualizo, após realizar uma boa história clínica, anamnese e exame físico, qual das opções terapêuticas existentes melhor se adapta à pessoa que sofre da doença — porque não nos devemos esquecer que não tratamos doenças, tratamos pessoas que sofrem de uma doença. Existem, cientificamente, cinco possibilidades de tratamento: Tratamento farmacológico; Tratamento não farmacológico ou fisiátrico; Tratamento nutracêutico e nutricional; Tratamento psicológico; e Tratamento compreensivo: ou seja, explicar ao doente o que lhe está a acontecer e porquê, para que compreenda a sua doença e o seu sofrimento. Mas é verdade que, por formação e vocação, grande parte das minhas escolhas terapêuticas baseiam-se na medicina física, porque considero que tem menos efeitos iatrogénicos, ou seja, menos efeitos secundários. No entanto, não rejeito nenhuma forma de tratamento.
Tenho conhecimento de que, dentro desse contexto de terapias “não farmacológicas”, a unidade adquiriu um equipamento de “ONDAS DE CHOQUE”. Confirma esta informação?
É verdade. Nos últimos meses, recebemos vários pacientes com dores crónicas provocadas por tendinites, esporões calcâneos, fascites, etc., que são difíceis de tratar, o que leva à sua cronificação, fazendo com que o paciente sofra durante muito tempo. Por esse motivo, adquirimos na Unidade da Mutualista um equipamento de “ondas de choque”, que acredito ser o único atualmente existente na Covilhã.
O que são e como atuam as ondas de choque?
As ondas de choque são ondas acústicas de alta energia que se propagam através dos tecidos. Caracterizam-se por um aumento súbito de pressão, seguido de uma diminuição rápida, o que gera um efeito mecânico e biológico sobre as estruturas onde são aplicadas. Para simplificar, são como os ultrassons clássicos, de sempre, mas de alta intensidade. Têm vários tipos de efeitos: Efeito mecânico: fragmenta depósitos cálcicos e estimula microrroturas nos tecidos, o que ativa os processos de reparação; Efeito bioquímico-celular: estimula a angiogénese, liberta fatores de crescimento, aumenta a atividade osteoblástica (formadora de osso) e a regeneração dos tecidos; Efeito analgésico: inibe os recetores da dor e estimula a libertação de endorfinas; Efeito anti-inflamatório: modula a inflamação local; e Efeito de estimulação da reparação dos tecidos: através da ativação de células estaminais locais e melhoria da perfusão.
Para que patologias estão indicadas?
São extremamente úteis e produzem resultados extraordinários no tratamento de: Esporão calcâneo e fascite plantar; Tendinopatias calcificantes do ombro; Epicondilite; Síndrome de dor miofascial; Tendinites; Pseudoartroses e Calcificações tendinosas (com resultados extraordinários).
Poderia contar-nos alguma experiência pessoal a esse respeito?
A melhor história que lhe posso contar é a minha própria. Há 35 anos sofri fortes dores provocadas por um esporão calcâneo em cada pé, o que, aliado ao meu excesso de peso, me causava dores imensas que me impediam de caminhar. Nessa altura, um amigo ortopedista da minha cidade comprou o primeiro equipamento de ondas de choque de Bilbau e ofereceu-me a possibilidade de tratar os esporões calcâneos. Com quatro sessões, a dor desapareceu e, até hoje, continuo sem dores. É verdade que os esporões calcâneos não desapareceram — radiograficamente, continuam lá — mas a dor nunca mais voltou. ■