
A língua portuguesa é talvez o mais belo milagre do Atlântico.
Nasceu do encontro improvável entre povos e ventos
e espalhou-se não como bandeira, mas como respiração.
Cada palavra que dizemos traz um pouco de travessia, de dor e de sonho.
Esta língua não é uma linha — é uma ponte.
Uma casa comum, onde cada sotaque é uma janela aberta.
E é isso que nos une: somos inquilinos da mesma emoção.
Nenhum império criou a língua portuguesa.
Foram as pessoas — marinheiros, escravos, poetas, mães, crianças —
que a reinventaram todos os dias.
A língua portuguesa é uma tecnologia ancestral,
um sistema vivo, colaborativo, aberto.
O primeiro open source da humanidade,
em que cada um de nós é programador.
O código que nos une é feito de música, memória e imaginação.
Foi em África que o português aprendeu a dançar.
Foi no Brasil que aprendeu a sonhar.
Essas geografias deram-lhe corpo e alma.
Deram-lhe ritmo, cor e respiração.
E provaram que o português é menos um idioma
e mais um organismo vivo, mestiço, pulsante.
Quando ouço um poema em crioulo, sinto que a língua portuguesa se expande.
Quando ouço uma canção brasileira, percebo que ela não tem margens.
A língua que nos une é a que ousa mudar.
O que Portugal tem de fazer agora é o mais difícil dos gestos: escutar.
Deixar de se ver como centro
e passar a ver-se como parte.
O centro da língua está em todo o lado —
em Bissau, Luanda, São Paulo, Mindelo, Maputo, Lisboa.
A língua portuguesa é um arquipélago, não um continente.
Na Casa da Cidadania da Língua, trabalhamos para isso:
criar lugares onde todos os falantes se reconheçam como iguais,
inventando juntos o futuro dessa cidadania.
Entramos numa era em que as máquinas falam connosco.
E a pergunta é:
que língua vai ensinar humanidade à inteligência artificial?
Acredito que pode ser a nossa.
Porque o português é uma língua de sentimento,
de afeto, de cuidado.
Tem palavras que o inglês não sabe dizer —
como saudade, ternura, esperança.
E talvez sejamos nós,
falantes desta língua,
os que podem ensinar às máquinas o que significa ter alma.
A língua portuguesa é o nosso destino comum.
Um rio que nunca volta à nascente,
mas leva consigo o brilho de todas as águas que o alimentam.
Que sejamos nós, os seus novos navegadores —
não de mares, mas de palavras.
Porque, no fim, o que verdadeiramente nos une
não é o passado que partilhamos,
mas o futuro que ainda podemos dizer. ■
José Manuel Diogo
Presidente da Associação Portugal Brasil 200 anos e da Casa da Cidadania da Língua. Foto: Lu Schadek




