
O presidente da República portuguesa vetou hoje, dia 8 de agosto, o decreto do parlamento que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, depois de o Tribunal Constitucional (TC) do país ter anunciado a inconstitucionalidade de cinco normas.
“Na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional de hoje, que considerou inconstitucionais cinco disposições do diploma que submetera a fiscalização preventiva da constitucionalidade, o Presidente da República vai devolver à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do n.º 1 do artigo 279.º da Constituição, o Decreto da Assembleia da República que altera a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional”, lê-se numa nota oficial.
Esta decisão de Marcelo Rebelo de Sousa foi conhecida minutos depois de os juízes do Palácio Ratton terem anunciado o “chumbo” de cinco normas do decreto do parlamento que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.
A decisão do TC surge na sequência de um pedido do presidente da República de fiscalização preventiva da constitucionalidade de sete normas deste decreto em 24 de julho.
O decreto foi aprovado em 16 de julho na Assembleia da República, com os votos favoráveis de PSD, Chega e CDS-PP, abstenção da IL e votos contra de PS, Livre, PCP, BE, PAN e JPP.
O diploma foi criticado por quase todos os partidos, com exceção de PSD, Chega e CDS-PP, com vários a considerarem-no inconstitucional e a criticarem a forma como o processo legislativo decorreu, sem ouvir associações de imigrantes ou constitucionalistas e com a ausência de pareces obrigatórios.
No requerimento enviado por Marcelo Rebelo de Sousa ao TC, o presidente da República pediu a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas sobre direito ao reagrupamento familiar e condições para o seu exercício, sobre o prazo para apreciação de pedidos pela Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) e o direito de recurso.
Tribunal Constitucional “chumba” lei dos estrangeiros
Entre as normas “chumbadas”, estão várias relativas ao reagrupamento familiar, designadamente a que prevê que cidadãos estrangeiros com autorização de residência válida e que residem legalmente em Portugal têm direito ao reagrupamento familiar apenas com membros da sua família menores de idade, desde que estes tenham entrado legalmente em Portugal e residam no país.
O presidente do TC, José João Abrantes, salientou que esta norma, “ao não incluir o cônjuge ou equiparado, pode impor a desagregação da família” e pode conduzir “à separação dos membros da família constituída desse cidadão estrangeiro”, o que disse traduzir-se numa violação de direitos constitucionais.
Da mesma forma, o presidente do TC disse ser inconstitucional outra norma do decreto que prevê que um cidadão, para pedir o reagrupamento familiar de membros da família que se encontrem no estrangeiro, tenha de residir legalmente no país há pelo menos dois anos.
José João Abrantes frisou que “a imposição de um prazo absoluto, isto é, de um prazo cego de dois anos”, é “incompatível com a proteção constitucionalmente devida à família, em particular à convivência dos cônjuges ou equiparados entre si”.
No entanto, o TC considerou constitucional a norma do decreto que estabelece que quem é titular de certas autorizações de residência, por atividade docente, de investimento ou cultural, tem direito “ao reagrupamento familiar com membros da família”, mesmo que não sejam menores, como sucede com outras autorizações de residência, o que o Presidente da República considerou potencialmente discriminatório.
O presidente do TC considerou que esta norma “não se afigura desproporcionada nem discriminatória” relativamente ao artigo da Constituição que prevê que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
Partidos reagiram
O líder socialista considerou que o Governo, a AD e o Chega saíram derrotados com o chumbo da lei dos estrangeiros pelo Tribunal Constitucional, defendendo que o primeiro-ministro devia “ouvir mais” Presidente da República e o PS.
“Os valores constitucionais derrotaram o acordo da AD com o Chega. Esta é uma vitória do humanismo sobre a desumanidade que a coligação da AD com Chega quis imprimir a esta legislação agora chumbada pelo Tribunal Constitucional, que punha em causa uma integração com dignidade e humanidade”, afirmou, numa posição enviada à Lusa, o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro.
Na opinião do socialista, o chumbo da lei dos estrangeiros é “uma séria derrota política do Governo, da sua arrogância e da incompetência revelada nesta matéria”.
“O primeiro-ministro devia ouvir mais a voz autorizada do senhor Presidente da República (e, já agora, também a do PS). O país ganharia com isso”, sustentou.
Para José Luís Carneiro, para ultrapassar agora o veto do Presidente da República que resultou deste chumbo do Tribunal Constitucional, Portugal “merece é que a AD não se precipite, que cumpra todos os requisitos processuais e legais e já agora que se faça acompanhar melhor nas suas parcerias”.
“Porque este é o resultado da sua coligação com o Chega e com as políticas extremistas e desumanas que estão de acordo com o discurso da extrema-direita e não de um partido moderado e responsável”, argumentou.
Da parte do PS, o seu líder promete “responsabilidade e humanismo” e mostra disponibilidade para contribuir para uma solução que garanta “responsabilidade e humanidade”.
“O PS regista com agrado a tutela jurisdicional que o Tribunal Constitucional estabeleceu em relação à proteção da família, que é da maior importância para esta e para outras questões. Aliás, permitir o reagrupamento familiar é certamente um dos melhores instrumentos de promoção de uma boa integração familiar dos migrantes”, elogiou.
Carneiro acrescentou que o “PS tentou poupar o Governo a esta situação e bem alertou para a precipitação, os erros processuais e para a falta de audição obrigatória de várias entidades”.
“Esta é também uma derrota jurídica da coligação entre a AD e o Chega”, apontou.
Por sua vez, o presidente do Chega, André Ventura, afirmou que a decisão do Tribunal Constitucional de chumbar a lei dos estrangeiros “não é compreensível” e traduz “um espírito de esquerda que se apoderou das instituições”.
“A decisão de inconstitucionalidade sobre a lei dos estrangeiros não é compreensível. Não há nenhum direito familiar que se sobreponha à segurança do país e das suas fronteiras. É um espírito de esquerda que se apoderou das instituições e contraria aquilo em que os portugueses votaram no dia 18 de maio”, escreveu André Ventura na rede social ‘X’.
PSD vai analisar acórdão para adequar à lei
O deputado do PSD Francisco José Martins assegurou que os sociais-democratas vão analisar o acórdão que determinou a inconstitucionalidade da lei dos estrangeiros para adequar o diploma às imposições do Tribunal Constitucional.
Em declarações aos jornalistas, no parlamento, sobre a decisão do Tribunal Constitucional de chumbar cinco normas da nova lei dos estrangeiros, Francisco José Martins defendeu a necessidade de mudar o quadro legal para pôr fim a uma política de “portas abertas”, mas garantiu que o PSD vai “analisar, ler e fazer os enquadramentos que promovam a adequação do normativo àquilo que são as imposições do Tribunal Constitucional”.
O deputado social-democrata considerou necessário “respeitar a separação de poderes” e assegurou que “tudo aquilo que foi dito irá merecer uma atenção especial”, mas que o PSD e o Governo “não se vão afastar do objetivo de produzir” uma lei que “consubstancie uma política séria e responsável para o país”.
“É fundamental para o país, depois de muitos anos em que esta matéria de imigração esteve a ser tratada de uma forma menos boa, porventura desastrosa, que o país finalmente possa ter uma lei que responda efetivamente aos interesses do país e dos imigrantes”, defendeu. ■